As crônicas de Clarice Lispector, publicadas no Jornal do Brasil, de 1967 a 1973, nos permitem compreender melhor a escritura desta, que se consagrou como uma das maiores escritora do Brasil. Se nos contos e romances, o mistério de uma narrativa envolve o leitor num processo quase que iniciático, nas crônicas esse mistério vai aos poucos sendo desvendado, revelando o mundo pessoal e subjetivo da autora enigmática que viveu no Leme, próximo às areias e ao mar de Copacabana, que tanto apreciava.
Ao aceitar o convite do Jornal do Brasil para escrever uma coluna aos sábados, Clarice Lispector sente a estranheza entre ser escritora e jornalista: “Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna, estou de algum modo me dando a conhecer”, comenta na crônica de 21 de setembro de 1968. Divido com vocês leitores, a crônica de Clarice chamada, “Fernando pessoa me ajudando”, escrita em seu livro de crônicas chamado “A descoberta do mundo” (pg.137), da editora Rocco, 1999.
Então, Clarice Lispector diz: “Noto uma coisa extremamente desagradável. Estas coisas que ando escrevendo aqui não são, creio, propriamente crônicas, mas agora entendo os nossos melhores cronistas. Porque eles assinam, não conseguem escapar de se revelar. Até certo ponto nós os conhecemos intimamente. E quanto a mim, isto me desagrada. Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna estou de algum modo me dando a conhecer. Perco minha intimidade secreta? Mas que fazer? É que escrevo ao correr da máquina e, quando vejo, revelei certa parte minha. Acho que se escrever sobre o problema da superprodução do café no Brasil terminarei sendo pessoal. Daqui em breve serei popular? Isso me assusta. Vou ver o que posso fazer, se é que posso. O que me consola é a frase de Fernando Pessoa, que li citada: ‘Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos’”.
Essa sua crônica, onde utiliza a frase de Fernando Pessoa é muito especial, principalmente para nós cronistas, articulistas, comentaristas e que também acabamos por nos publicar, o que muitas vezes nos desvenda. Poucas palavras e tudo tão significativo. Dois gigantes da literatura brasileira. Profundo conhecedores do universo psíquico de cada ser vivente. Quando falamos, todos sem exceção, tornamos conhecido o desconhecido. Nada que temos ou somos são aspectos desconhecidos. Sendo todos iguais e humanos, nas peculiaridades, nos hábitos, sofrimento, conflitos, finitude, realização dos desejos, fantasias, no que trás felicidade, ou não. Então quando falamos, tudo que sai é muito conhecido, conhecido de todos nós, nessa ciranda ou roda de humanos. E vamos, sem exceção, nos identificando um a um com quem está ao nosso lado. Se somos todos iguais nos tornamos desconhecidos no universo, ficando todos com a mesma cara ou face.