Força estranha

Eu vi o menino correndo, num adulto com força total, mas, estranha. Assustado em direção ao pertencimento. Ele era um rapaz de 30 e poucos anos, quase 40, vestia um terno impecável e muito justo. Achei a manga meio curta e a calça, além de justa na perna, também curta. Sapato brilhante, bem à mostra. Ah! É a moda, falaram. Era alto, magro e com uma força estranha. Seria uma força de recusa à passagem do tempo? Ele estava extremamente barbeado, pele de pêssego e afirmava suas convicções com muita certeza. 
Observei que ele ainda resistia aos erros, temia o todo. Mal sabia que, aprendemos com a experiência emocional. O cabelo “engelzado” (nem sei se essa palavra existe), mal mexia ao vento sagrado. O terno abotoado sinalizava a falta da protuberância abdominal. Nada contra a geração fit, sou totalmente isenta de preconceitos e a favor de uma vida saudável. 
Observo, no contexto da atualidade, que um grande vazio existencial anda “vestindo o corpo”. Uma “barriguinha “saliente, de vez em quando, não faz mal a ninguém. De vez em quando, é bom enlouquecer. Ser normótico também adoece. E ao mesmo tempo, o adulto que vestia esse impecável adorno era tão precário de identidade, subjetividade e de um “sustentar” psíquico. 
Lembrei de uma música de Caetano, chamada “Força estranha”, onde tece uma narrativa que convoca outras narrativas. Narrar é potencializar a memória, evocar o passado, ressignificar a experiência temporal. Ulisses em “Odisseia” faz toda uma trajetória para resistir às forças do esquecimento. O que importa mesmo é que: “Eu vi um menino correndo, eu vi o tempo, brincando ao redor do caminho daquele menino. Eu pus os meus pés no riacho e acho que nunca os tirei. O sol ainda brilha na estrada e eu nunca passei. Eu vi a mulher preparando outra pessoa, o tempo parou para eu olhar para aquela barriga. A vida é amiga da arte. É a parte que o sol me ensinou. O sol que atravessa essa estrada que nunca passou. Por isso uma força me leva a cantar. Por isso essa força estranha no ar. Por isso é que eu canto, não posso parar. Por isso essa voz tamanha. Eu vi muitos cabelos brancos, na fronte do artista. O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece. Aquele que conhece o jogo, do fogo das coisas que são, é o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão. Eu vi muitos homens brigando, ouvi seus gritos, estive no fundo de cada vontade encoberta. E a coisa mais certa de todas as coisas, não vale um caminho sob o sol. E o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol. 
Segundo o psicanalista, Uchôa Junqueira Filho, “O desejo mimético despreza a essência e corteja a carência”. O desejo mimético é um desejar a partir do desejo do outro, que tomo como modelo para determinar meu próprio objeto de desejo.
 

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