Em termos de sabor as carnes gordas levam vantagem sobre as carnes magras. Em termos de saúde as carnes magras devem ter a preferência para o consumo, pois fornecem os importantes nutrientes com menos gordura e calorias. Mesmo as carnes bem vermelhas e magras (ex. patinho) possuem gordura impregnada entre as fibras musculares, ou seja, não há carne isenta de gordura.
MÚSCULOS
Assim como os músculos dos animais, nossos músculos também contém gordura e em quantidades variadas. Todas as células utilizam a gordura consumida ou já disponível no corpo para algumas funções. Mas há células que podem armazenar quantidades variáveis de gordura. A célula adiposa tem a função de armazenamento e serve como uma reserva de energia. O fígado e os músculos podem acumular pequenas quantidades de gordura em gotículas.
MIOESTEATOSE
Pessoas sedentárias e com dieta desequilibrada podem acumular gordura em excesso no fígado (problema denominado de esteatose hepática não alcoólica) e também no músculo, problema que recebe o nome de mioesteatose. No fígado e no músculo tal acúmulo prejudica as funções e causa desequilíbrio no controle metabólico. Os músculos são responsáveis pela captação de 70% da glicose consumida na alimentação (carboidratos). No quadro de mioesteatose dos sedentários os músculos perdem a sensibilidade à insulina, o que diminui a capacidade de captação da glicose e provoca pré-diabetes e diabetes tipo 2.
ATLETA DE ENDURANCE
Interessante que os atletas de esportes de longa duração, tais como corrida, ciclismo de estrada, travessia de natação e triátlon possuem nos músculos quantidade de gotículas de gordura considerada elevada, o que não seria de se esperar, visto que estes atletas são bastante ativos, têm dieta adequada e são “magros”, ou seja, possuem baixo percentual de gordura corporal. Esse fato é conhecido como paradoxo do atleta.
Na mioesteatose dos sedentários, os músculos perdem a sensibilidade à insulina, a captação da glicose diminui e provoca pré-diabetes e diabetes tipo 2
COMBUSTÍVEL DE LONGA DURAÇÃO
Atletas de endurance utilizam bastante glicogênio e gordura (ácidos graxos) para produzir toda energia em treinamentos e provas que podem ter duração de horas. As fontes de gordura para os músculos são [1] aquela armazenada no tecido adiposo, que é quebrada e chega aos músculos via sangue, [2] aquela que fica circulando no sangue (triglicerídeos) e [3] aquela armazenada nos próprios músculos (triglicerídeo intramuscular). Essa é uma reserva estratégica, assim como o glicogênio, pois já está no local de utilização.
PROBLEMA E BENEFÍCIO
Sedentários e atletas de endurance têm maior quantidade de gordura nos músculos com consequências diversas. Por que isso é um problema para os primeiros e um benefício para os segundos? Estudo recente comparou a gordura muscular de grupo com diabetes tipo 2 e de outro grupo de atletas, tendo observado que a diferença não está na gordura, mas sim no que está próximo e ao redor das gotículas de gordura.
MAQUINARIA MUSCULAR
Atletas de endurance têm quantidade bastante elevada de mitocôndrias, que são também grandes e ricas em enzima da beta-oxidação (transformação da gordura) e cadeia respiratória (produção de energia). Possuem também mais enzimas (lipase e lipase sensível a hormônios) que quebram a gordura para que possa ser utilizada nas mitocôndrias. No caso dos sedentários, essa maquinaria existe, porém é bem modesta e pouco ativa. Ocorre a lipotoxidade, ou seja, a gordura pouco utilizada atrapalha o processo de sinalização para a ação da insulina, tornando os músculos resistentes, diminuindo a captação de glicose e levando ao diabetes tipo 2.
Referências
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