Hegemonia cotidiana

OPINIÃO - Helber Henrique Guedes

Data 28/06/2025
Horário 05:00

Durante uma aula da disciplina de Geopolítica do Espaço Mundial, na FCT/Unesp (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista), fomos provocados a pensar o conceito de hegemonia não como algo distante, abstrato ou preso aos grandes livros — mas como uma forma de organização da sociedade que combina força e consenso para moldar o modo como vivemos, pensamos e sentimos. 
Inspirado em Gramsci, o conceito de hegemonia diz respeito à capacidade de um grupo ou Estado impor sua visão de mundo não apenas pela coerção, mas pela naturalização de ideias, valores e compartimentos, fazendo parecer que “as coisas sempre foram assim” Estudamos dois textos, de Emir Sader e Ana Esther Ceceña, que tratam da hegemonia global, da dominação norte-americana e da difícil construção de alternativas para além do neoliberalismo.
Mas o que isso tem a ver com o que vivemos aqui, na nossa cidade, na nossa rua, no nosso bairro? Tem tudo a ver. A hegemonia não acontece só nos gabinetes de Washington, nos quartéis da Otan ou nas bolsas de valores. Ela acontece quando uma criança aprende, desde cedo, que o sucesso é ser empresário. Quando um agricultor familiar perde espaço para a monocultura do agronegócio. Quando o comércio local fecha para dar lugar a uma grande rede. Quando nos dizem que “é assim mesmo”, que “não tem outro jeito”.
Essa hegemonia, como aprendemos em sala, não se impõe apenas pela força, mas pelo convencimento. É o tal do consenso: a ideia de que o mundo só pode funcionar desse jeito, que competir é natural, que consumir é liberdade. 
E o mesmo padrão se vê nas relações internacionais. Os recentes ataques entre Estados Unidos e Irã, que voltaram às manchetes nesta semana, mostram como a hegemonia também se impõe no campo global. Mesmo em meio a crises econômicas e diplomáticas, os EUA seguem atuando como árbitros do mundo — com o poder de intervir, atacar e narrar os acontecimentos de forma a legitimar suas ações. A operação militar recente, que mirou instalações nucleares iranianas, foi apresentada como “preventiva”, “necessária” — e mais uma vez, parte da opinião pública aceitou. É a hegemonia operando não só com mísseis, mas com discursos.
Mas não são só os governos que resistem. Aqui mesmo, nos territórios da nossa cidade e região, há práticas que desafiam esse modelo. Redes de pontos de cultura se formando, feiras agroecológicas, coletivos culturais, comunidades tradicionais que ainda resistem.
O que os textos nos mostram — e o que essa aula me fez enxergar com mais nitidez — é que a hegemonia não é invencível. Ela é complexa, adaptável, violenta, mas cheia de contradições. E justamente por isso, pode ser enfrentada, com práticas cotidianas de solidariedade, autonomia, cuidado, imaginação e enfrentamento.
Porque o mundo que nos organiza pode ser reorganizado. E isso começa pela forma como pensamos, vivemos e nos colocamos dentro dele.

Referências Sugeridas

SADER, Emir. Hegemonia e contra-hegemonia. In: SADER, Emir; GENTILLI, Pablo (orgs.). Hegemonias e emancipações no século XXI. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 15–34.

CECEÑA, Ana Esther. Estratégias de construção de uma hegemonia sem limites. In: SADER, Emir; GENTILLI, Pablo (orgs.). Hegemonias e emancipações no século XXI. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 35–64.

Publicidade

Veja também