Legítima defesa da honra já não é mais desculpa para feminicídio

OPINIÃO - Sofia Rodrigues do Nascimento

Data 08/08/2023
Horário 05:00

Demorou, mas esse dia chegou. Acabou a tese da "legítima defesa da honra", que era frequentemente utilizada em julgamentos para agressões físicas ou homicídio contra a mulher, de maneira a justificar o comportamento do acusado em situações, por exemplo, de adultério. O STF (Supremo Tribunal Federal) por unanimidade considerou inconstitucional esse argumento em casos de feminicídio julgados no tribunal do júri. A decisão saiu no dia 1º de agosto, e se transforma numa data histórica para as mulheres brasileiras. 
É bom que se diga que o relator do caso, ministro Dias Toffoli, teve seu voto acompanhado por todos os demais ministros. Com a decisão do STF, a partir de agora, advogados, policiais e juízes não poderão utilizar o argumento da "legítima defesa da honra", nem de forma direta, nem de forma indireta. Essa proibição se aplica tanto na fase de investigação dos casos quanto nas situações em que os processos são levados ao tribunal do júri.
Mais um avanço na luta pela igualdade e respeito que nós, mulheres, merecemos. Podemos também dizer que essa decisão é um tributo a uma das mulheres símbolo dessa batalha feminina: a socialite mineira, Ângela Diniz. Em 30 de dezembro de 1976, aos 32 anos, Ângela Diniz foi assassinada com quatro tiros disparados pelo seu então namorado, Doca Street, na Praia dos Ossos, em Cabo Frio, no Rio de Janeiro. 
Escandalizou tanto a sociedade na época que se tornaria o caso mais famoso na qual a legítima defesa da honra foi utilizada, e aceita. O julgamento de Doca Street aconteceu em 1979, em Cabo Frio, e ele saiu livre do tribunal por já ter cumprido um terço da pena de dois anos (oito meses) a que fora condenado. Em seu julgamento, divulgado em tempo real pelos meios de comunicação de massa, a defesa utilizou como estratégia a exposição da vida pessoal de Ângela Diniz, fundamentando que o motivo da prática do crime foi o comportamento da vítima. Portanto, Doca Street matou por legítima defesa da honra.
Assim como Ângela Diniz, milhares de mulheres são agredidas e morrem porque seus companheiros decidem que delas são “donos” e, portanto, podem decidir por sua vida e morte. Segundo o Monitor da Violência, do portal G1 e do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), 1.410 mulheres foram vítimas do crime somente em 2022, ou seja, em média, uma mulher foi assassinada a cada seis horas.
O Brasil tem uma das mais altas taxas de feminicídio do mundo: 3,6. Segundo relatório da ONU (Organização nas Nações Unidas), publicado no final de novembro do ano passado, a taxa brasileira supera a média de todos os continentes do mundo. 
São 47 anos desde o caso mais famoso de feminicídio. Precisamos de quase meio século para dar esse passo que realmente deve ser comemorado, mas que não vai acabar com a mentalidade conservadora, resultado de uma sociedade sexista e patriarcal. 
Para romper com essa visão estereotipada, é preciso desaprender o comportamento misógino - de ódio e posse -, e se educar para o respeito e a justiça. É preciso educar para uma sociedade mais justa em relação às mulheres. Isso envolve desde a abordagem do feminicídio em sala de aula, até a produção de estatísticas que fundamentem as políticas públicas e a realização de campanhas voltadas à população.
O Sinsaúde Campinas e Região representa aproximadamente 80 mil trabalhadores do setor da saúde, dos quais 80% são mulheres. Mantém em suas 19 sedes sindicais, um corpo de advogados capaz de dar suporte às profissionais da saúde que necessitem deste apoio. Para ter atendimento basta procurar uma das sedes da entidade. Nossos diretores e funcionários estão prontos para acolher e ajudar.   
Não podemos deixar perpetuar a afirmação do poeta Carlos Drummond de Andrade, que em relação à tese absurda da legítima defesa da honra no caso de Ângela Diniz, afirmou: "Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras". 
Demora, mas podemos aprender.

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