Na rede a gente compartilha, mas não doa

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 06/10/2020
Horário 06:44

Nunca a internet foi tão nossa parceira como agora. 
A rede mundial de computadores foi aberta comercialmente entre 1994 e 1995 e logo mudou toda nossa vida, relações e comportamentos. Mas em nenhum momento, ela foi tão “parça” como tem sido durante a pandemia. 
Isolados, nos restou o ciberespaço para termos o mundo ao nosso lado e tudo a um preço razoável (mensalidade + todos nossos dados às empresas). Surfamos como Maya Gabeira uma onda gigantesca de leituras, imagens em geral, receitas, séries e filmes. Crescemos cultural e pessoalmente e temos mesmo muitos motivos para venerar os gênios do Vale do Silício.
Mas há uma situação que surgiu mais recentemente com as redes sociais que eu não consigo entender: a apropriação intelectual ou autoral de textos e imagens. 
Vejam este caso: um grupo do qual eu participo no Instagram abriu um post de alerta sobre a apropriação indevida de imagens dos membros. Um rapaz, que não vale aqui ao menos ser citado, estava copiando fotografias nossas e adicionando em sua página sem o devido crédito. Pior de tudo: quando foi questionado pela primeira vez, lançou o argumento de que pelas novas regras da internet (sei lá quais...) ele poderia fazer isto.
Este é um tipo de comportamento que merece estudos mais aprofundados do cérebro humano porque esbarra na mais completa falta de bom senso, honestidade e caráter em um estado de liberdade em que muitos não sabem como lidar. E não adianta eu ir para a guerra e falar de questões jurídicas etc e tal. Este tipo de gente não compreende e a lógica deles é menos compreensiva ainda. Em momentos mais acalorados de discussão até clamam pela “liberdade de expressão” (uau!!)  
Enfim: na rede a gente compartilha, mas não doa! 
Por isto é que minha fotografia é minha fotografia. É o meu olhar, emprestado a quem mais quer ver (se não quiser, role a barra!!!). A minha fotografia é minha fotografia, assim como a terra do índio é do índio, do camponês é do camponês. Assim como a empresa é do dono e a greve, diria Henfil, é do trabalhador. 
Assim como o pão que você ganha, dia após dia, é seu e faz dele o que bem quer.
No fundo, quem lança este tipo de discurso de que o que está na rede é de todos insiste em desconsiderar a própria vida, a dimensão humana que existe sim atrás da tela do computador. No fundo, penso que sou bem mais moderno do que estes seres que se lançam catedráticos das redes sociais, vomitam modernidade e vanguarda, mas possuem sorrisos amarelos demais. Não são reais. Simulam e esta mesma simulação, na mais rápida brisa, se desfaz. Não conseguem ao menos expor a própria identidade, em nome de uma revolução que sei lá quando, como e por que vai acontecer. É um tal de @kkkiooppio, @xxseviurir, @blablablabla.... Credo! 
O que almeja uma pessoa que se apropria de uma obra intelectual? Vontade em ser reconhecida, em agradar a todos? Fuga do mundo? Teorias da conspiração? A falta de um pensamento original, porque sempre alguém já disse que se queria dizer? 
A propriedade intelectual na rede não pode ser refém da mediocridade humana. A mediocridade, para mim, é fator comum nestas pessoas, uma vez que embute o quanto nossa pobre alma pode ser ainda mais contaminada e destruída pela vida mundana, livre de conhecimentos úteis.  
 

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