No ar, locutores bêbados (Hic! Hic! Hic!)

Sandro Villar

O Espadachim, um cronista que cutuca, mas não fura

CRÔNICA - Sandro Villar

Data 26/05/2022
Horário 05:30

Na cidade de Adamantina, os moradores aguardavam ansiosamente o momento do encontro dos ponteiros do relógio, marcando 12 horas. É que ao meio-dia em ponto e vírgula, naqueles criativos anos 1960, começava na Rádio Brasil o programa do locutor que só falava bêbado. Por uma questão de respeito, visto que o personagem já foi embora deste mundo de ilusões, seu nome será preservado. Antes, ele trabalhou em rádios paulistanas. Teria sofrido uma desilusão amorosa, motivo que o levou a beber mais do que o personagem do cantor Vicente Celestino no filme “O Ébrio”.
Um locutor de porre no rádio só pode mesmo chamar a atenção. O programa dava eco e apresso-me em explicar que a expressão “dava eco” quer dizer dava audiência. Os ouvintes se divertiam com o apresentador, ora agressivo, ora patético, que, ao contrário dos garotos da época, não amava os Beatles e nem os Rolling Stones.
Em São Paulo, sem ser nem uma coisa nem outra – agressivo e patético –, um locutor da Rádio Record, que hoje reza dia e noite (a rádio, não o locutor), cismou que o relógio marcava mais de 24 horas. Ele também apreciava a água que colibri não bebe. Tanto que no armazém de secos e molhados a preferência dele era sempre pelos molhados, mas essa é outra história e vamos em frente que atrás vêm os cabos eleitorais que merecem ser promovidos a sargentos eleitorais.
Um belo dia, ele, que também já bateu as botas e outros calçados, tomou umas doses a mais de cachaça e entrou no estúdio para anunciar a hora certa. E meteu bronca. Assim que o operador abriu o microfone, o locutor, com voz pastosa, mandou ver: “Em São Paulo, são 29 horas”.
E um locutor de Presidente Prudente, que virou nome de rua, também se complicou na hora de dar a hora certa por estar de pileque. Nos anos 1980, ele trabalhava na Rádio Difusora, que também virou igreja eletrônica, e apresentava o programa noturno Música Sem Compromisso. Uma noite, no momento de anunciar a hora certa, assim falou ao respeitável público ouvinte: “Você ouve Difusora e Música Sem Compromisso. Em Prudente são 11 horas e 77 minutos”. Isso é que é hora certa sem compromisso com a exatidão.
Um caso famoso em São Paulo é o de um locutor noticiarista, também amante da loirinha e da branquinha. Ele tinha verdadeira loucura pelo álcool, assim como o Ciro Games tem pelo poder. Para evitar os tais melindres, será chamado aqui de Pantojas. Uma vez chegou para apresentar o jornal falado de uma das mais importantes rádios paulistanas, onde trabalhava havia anos, e deu o maior vexame. Pantojas estava mais bêbado do que o João Canabrava.
Depois que o operador de som tocou a vinheta de abertura e abriu o microfone, Pantojas teria de fazer a apresentação de praxe. O operador esperou, esperou e nada. Ao ver o clássico aviso “No Ar” – ou “No Ara” como brincava Juca Amaral –, o locutor tentou se recompor. Não conseguiu e reconheceu, falando alto e bom som: “Maldita cachaça que não me deixa ler”.
E teve o dia em que Pantojas interrompeu o trânsito ali pelos lados da Avenida Nove de Julho. Bêbado, parou o carro dentro do túnel e dormiu a sono solto, se é que existe sono preso. Um buzinaço começou, como também começou um baita congestionamento na região.
Só algum tempo depois é que o policiamento de trânsito descobriu a causa do congestionamento. Quem estava “engarrafado” mesmo era o Pantojas, que roncava mais que a cuíca da Vai-Vai. Acordado, não sabia onde estava. Foi multado e só não se complicou porque ainda não vigorava a lei seca.
O locutor protagonizou outro episódio que, segundo as línguas ferinas, quase acabou com o seu casamento. Tarde ensolarada de sábado, nada para fazer em casa, Pantojas resolveu beber num bar. A mulher dele tinha um cachorrinho poodle que era o seu xodó. E pediu ao marido para levar o cão junto, argumentando que o animal já estava ficando neurótico de tanto ficar dentro do apartamento.
Meio a contragosto, ele resolveu atender a esposa. Botou o cachorro debaixo do braço, ligou o carro e saiu em disparada, pois estava doido para molhar a goela. Ao chegar ao bar deixou o cãozinho dentro do carro e foi beber com os amigos. Logo depois o cachorro começou a latir, e os latidos passaram a incomodar. Pantojas não teve dúvidas: retirou o bicho do automóvel, afrouxou a coleira e o amarrou no para-choque traseiro. O cão se aquietou e ele voltou ao bar.
Lá pelas tantas, depois de tomar aquela e muitas que mataram o guarda e toda a corporação, o que explica a falta de policiamento na cidade, voltou para casa. Entrou no carro e foi embora correndo mais do que piloto de Fórmula 1. Estacionou, pegou o elevador e entrou no apartamento. “Cadê o cachorro?”, perguntou a “dona da pensão”. Pantojas respondeu com um “Ah!”. Desceu ao estacionamento e, atrás do carro, só encontrou a coleira.
Para tentar limpar a barra, que estava mais suja do que cueca de mendigo, ele teria inventado uma história: à esposa explicou que havia deixado o cachorro em uma clínica veterinária e que o pegaria na segunda-feira. Para a mulher não desconfiar, seu plano era comprar outro da mesma raça, um quase clone do que morreu arrastado e esfolado no asfalto.

DROPS Olímpicos

Brasil, medalha de ouro em desigualdade social.

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