Nunca mais

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 04/12/2022
Horário 08:09

New York, 29 de janeiro de 1845. A noite vai cobrindo o dia quando o New York Evening Mirror, um dos maiores jornais da cidade, começa a ser distribuído. Foi uma edição histórica, veio publicada pela primeira vez os 108 versos do poema narrativo “O Corvo”, de Edgar Allan Poe. A única frase "Nunca mais" dita pelo Corvo nesse fantástico poema nos leva a refletir sobre o sentido de nossas vidas. 
Ela pode ter um sentido melancólico, numa sensação de perda irreparável como nesse famoso poema. O tempo é infinito, não tendo, portanto, nem início e nem fim, mas sempre queremos que o tempo retorne como se o ontem fosse melhor do que o hoje, e deixamos escapar cada instante do presente para ser vivido intensamente. Essa frase curtinha está presente nas nossas vidas e muitas vezes nos mostra a nossa solidão e o nosso desconforto. 
Em outras vezes, nos mostra a beleza e o talento como quando pergunto para meu querido amigo Tiago sobre o talento do jogador Sócrates e ele me responde: "nunca mais". Essa pequena frase significa muita coisa, pode resumir  toda a nossa incapacidade de viver e compreender  a vida como ela é. Quando percebemos que perdemos o tempo de entender o que fizemos com nossas vidas, pode ser tarde demais. Quem perde alguma coisa saberá que a vida é injusta. Quem nunca perdeu nada, vai agir como se o mundo pertencesse somente a ele, como se fosse um garoto mimado. 
O conflito perverso entre esquecer e lembrar faz parte da existência humana. Muitas vezes somos o personagem desse poema, reclamando da perda de alguém, das emoções, dos sonhos e das ilusões que foram levados na poeira no tempo. Somos um caos ambulante, cheio de contradições e conflitos internos, perdidos na nossa própria covardia de viver a nossa verdade. Vivemos a verdade institucionalizada que nos condiciona a sermos do mesmo padrão ético e moral. Não podemos afundar nas areias do esquecimento. Só valorizamos algo quando perdermos. Somos arrogantes e prepotentes e quando vamos reclamar do tempo perdido vamos ouvir: "Nunca mais". 
Vamos carregando nossas dores em silêncio tentando viver o eterno retorno, desejando sempre beber na fonte da juventude querendo ser sempre o Peter Pan. O que amamos realmente de verdade? Aquele que não valorizou a mulher que o amou, vai reclamar que a perdeu. Agora não adianta reclamar, ela se foi para o nunca mais. As relações que temos com nossos pais, irmãos e amigos são sinceras, satisfatórias e profundas? Não deixe a vida para o amanhã. O tempo é o único bem verdadeiro que temos. O que fazemos com o nosso tempo?  
A vida sempre vai ser maior do que a nossa capacidade de vivê-la? Temos que ter consciência de quem somos, não podemos ser um simples coadjuvante. Temos que ser protagonistas e ter a coragem para mudar as coisas. Não ficar perguntando o que está acontecendo e sim fazer acontecer. A maior revolução está em nós mesmos. Desejamos mudar o mundo e esquecemos que cada um de nós é um mundo que precisa ser mudado.  Desejo que quando estiver vivendo com a minha solidão, espero que o Corvo não me visite e nem diga essa curta e emblemática frase: "nunca mais". 
"Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais"...

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