O ofício pode ser, muitas vezes, motivo de orgulho e soberba para muitos de nós, em todas as profissões. Entre homens da lei, ou melhor, da arte advocatícia, essa parece ser característica comum, de manifestação cotidiana. Entre eles existem alguns que vão ainda mais longe e sonham, em vão, com posições elevadas, supostamente, dignas dos grandes homens. Juiz é a posição máxima, muito embora alguns almejem posições intermediárias como a de promotor ou delegado.
A vontade que se impõe, externamente, ao indivíduo tomado desse capricho, pode vir a ser, motivo de tormentosos sofrimentos, sobretudo, quando se tornam ideia fixa, cultivada por anos a fio, sem, contudo, resultados práticos. O advogado, tomado desses objetivos que lhe foram impostos pela cultura e pelo meio social, tornou-se, ele também, obcecado com a glória. Estudou com afinco durante anos, ultrapassando uma década. Reprovado continuamente nos exames, seguia firme, consciente de ter propósitos tão nobres, que o elevariam à condição superior, humana e socialmente falando.
Desistira, contudo, desde o início, embora, não tivesse, claramente, consciência disso. Sentia-se motivado, quase sempre, almejando a suposta glória que viria, um dia, com a aprovação. Mas, é possível aventar que, sabotasse, a si mesmo, nas provas, diante de um desejo que no seu inconsciente, não era bem seu, mas dos outros, dos amigos, da família, da cidade, sobretudo. Ser aceito como ser socialmente elevado parecia uma meta digna de tamanhos esforços.
Dedicava-se, com afinco, aos assuntos jurídicos, próprios de sua lavra, arduamente e todos os dias. Mas, temas tão enfadonhos eram sobrepostos com a leitura dos clássicos da literatura, que lhe consumiam longas horas com elevado prazer do espírito, além da boa música, que ouvia sempre. Esse labor era acompanhado pelos progenitores, que acreditavam em seus sonhos de glória, pois no fundo, o queriam feliz. Lendo, sentia-se livre, vivendo outra vida que não a sua. Bons tempos aqueles, que lhe permitiram, finalmente, dar se conta de suas reais motivações na vida.
Difícil voltar atrás depois de tanto tempo e tamanho esforço, pessoal e familiar. Mas o desejo de abandonar o plano crescia, continuamente, ao ponto de tornar-se insustentável continuar. Pensava nas suas razões e nas razões dos outros, ao ponto de concluir que seus desejos íntimos eram incompatíveis com aqueles. Sofreu, durante meses e anos, tamanha a angústia que os valores sociais são capazes de infligir aos seres sensíveis e por isso rebelados. Precisava, antes de tudo, assumir a si mesmo que todo o desejo de glória era, ao fim e ao cabo, atitude comezinha, indigna da grandiosidade de seu espírito.
Tomou coragem e comunicou, de forma solene, sua augusta decisão, aos pais e a todos os outros. O viam como louco se continuasse e mais ainda se desistisse, como abandonar planos de glória tão pomposos em nome de uma sensibilidade tardia para a vida real. Desacreditado, se viu sozinho e incompreendido. Tentou, em vão, exercer atividades manuais, para os quais, não fora educado. Procurou na música, o alento e o caminho para seguir em frente, com planos modestos e espiritualmente nobres e elevados.