O Brasil não é longe daqui

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 31/08/2024
Horário 05:00

O grande mestre Antônio Candido contou, em entrevista, a ocasião em que fazia uma prova oral de geografia com o professor Pierre Monbeig, em que o mestre lhe pediu para que descrevesse os alpes franceses. Excelente aluno que era, Candido cumpriu a tarefa com facilidade. O geógrafo francês pediu então que o discípulo olhasse pela janela do prédio da Universidade de São Paulo, na Rua Maria Antônia, em direção à Serra da Mantiqueira, perguntando-lhe o nome daquela formação tão característica da zona norte paulistana. 
Sem resposta pronta a dar, o mestre francês fez com que o jovem estudante Antônio Candido percebesse o absurdo da nossa formação acadêmica e intelectual, voltada a interesses completamente alheios aos nossos, eurocêntrica e provinciana. A partir dali os interesses do futuro maior crítico literário do país voltaram-se às questões nacionais, em especial, à rica literatura brasileira. Atitude seguida por outros intelectuais do período, influenciados pela vanguarda da Semana de Arte Moderna de 22.
Flora Sussekind, em “O Brasil não é longe daqui”, publicado em 1990, mostra como os literatos brasileiros tinham um olhar de estranhamento às coisas do Império, como se fossem estrangeiros na própria terra, olhando seu próprio país e seu povo como se fossem eles próprios europeus, apontando seu exotismo e indisposição à civilização. Embora tenha estudado a literatura ficcional do século 19, essa atitude dos literatos brasileiros de propagadores de um modelo europeu de civilidade esteve presente também em importantes escritores do século 20. 
Esse tipo de comportamento, de valorização de estrangeirismos e desprezo pelas manifestações culturais do país é bastante comum e se traduz no chamado complexo de vira-lata, segundo o qual o brasileiro, por se sentir naturalmente inferior nos aspectos econômicos, sociais e culturais, têm a tendência a ver tudo que vêm de fora como superior e melhor. Se a origem é a Europa ou os Estados Unidos, a subserviência é imediata. O problema que isso acarreta se traduz na baixa autoestima do brasileiro e na crescente dificuldade de se dar valor àquilo que o país tem de melhor. 
Por essas razões é que não parece completamente despropositado o interesse e a valorização das coisas do país por aqueles que já não vivem entre nós. A canção do exílio, de Gonçalves Dias, só foi possível devido ao desterro do autor, que o fez olhar sua própria terra com nostalgia e apreço. Entretanto, me parece algo artificial que esse interesse pelo país aflore em curtos períodos de férias. 
Infelizmente, mais uma vez, são os “gringos” que estão nos ajudando nessa tarefa de redescobrimento do nosso país. Em especial, influenciadores como Paul Cabannes, parisiense, casado com uma brasileira e que vive há nove anos no Brasil e tornou-se aqui um humorista bastante famoso simplesmente por mostrar o quão apaixonante é o Brasil. Seu olhar sensível e apurado volta-se para aquilo que nós mesmos não conseguimos enxergar. Não soa esquizofrênico que um estrangeiro nos ensine a amar nosso país?
 

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