O brincar livre na educação

OPINIÃO - Paula Carneiro

Data 20/02/2024
Horário 04:30

Caro leitor...
Anteriormente falei sobre TDN (Transtorno do Déficit de Natureza) e, para quem não leu o artigo, adianto que não se trata de um diagnóstico médico, mas de um termo linguístico introduzido na literatura, pelo escritor e jornalista americano, Richard Louv, em seu livro “Last Child in the Woods: Saving Our Children From Nature-Deficit Disorder”, esse considerado por ele como uma doença da sociedade. Também ressaltei a preocupação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) em considerar, logo na primeira infância, atividades que modifiquem a rotina de sala de aula das crianças a fim de que realizem experiências que possam contribuir com seu bem estar e o futuro do planeta.
As atividades propostas pela BNCC embasam-se na experimentação de diferentes aprendizagens significativas para o desenvolvimento pleno da criança. Não só o contato com a natureza e materiais diferenciados, mas também o brincar livre estimulando de forma integral, os aspectos social, emocional, físico e intelectual. O brincar é essencial na primeira infância e, segundo Platão, “a melhor educação é aquela que a criança brinca com coisas encantadoras”.
E o que seriam essas coisas encantadoras? Seria a possibilidade de brincar com elementos que as faz perceber o mundo pelas texturas, pelo tato, pelos sentidos, uma vez que o plástico é uma matéria morta e dá resposta de maneira única de como ver o mundo. No fazer de conta tudo se transforma em tudo totalizando uma dimensão mito poética mágica. A inteligência e a imaginação florescem no brincar e as funções vitais da inteligência e do aprender afloram.
Dentro da diversidade do nosso país há uma unidade e relação entre as crianças que brincam com os mesmos objetos, casinha, comidinha, pedrinhas que são repertórios semelhantes que muito mais nos une do que nos separam. Somos seres de relações e essas relações estão presentes no ato do brincar, sendo assim, o tempo do brincar livre não é um mero passar tempo, ao contrário, é uma construção do seu próprio tempo, do seu próprio eu.
O brincar atravessa todas as culturas, as sociedades e permanece na história da aventura humana na Terra. O brincar tem histórias, têm perguntas, metáforas e faz florescer na criança a imaginação, a inteligência, a criatividade e, principalmente, uma questão fundamental: a confiança no mundo. A brincadeira é uma forma lúdica de conhecimento e autoconhecimento, de expressão de sentimentos. O brincar tem seu ritmo, tem seus ciclos e a criança ignora o tempo, o relógio. Muito sabiamente, Rubem Alves, em seu livro “Do Universo Jabuticaba” dedica uma crônica ao brincar e diz: "As crianças ignoram os relógios. Os relógios têm a função de submeter o tempo do corpo ao tempo da máquina. Mas as crianças só reconhecem os seus próprios corpos como marcadores do seu tempo. Se as crianças usam relógios, elas os usam como se fossem brinquedos."
Professores devem estar atentos às propostas da BNCC e ajudar a criar ambientes e espaços para que as crianças brinquem livre e espontaneamente com outras crianças. Malaguzzi, pedagogo e professor italiano em um poema que inspira a prática de Reggio Emilia, descreveu que as crianças utilizam mais de cem linguagens para se expressar e conhecer o mundo sendo que as duas constantes que defendia eram projetar e ter confiança no futuro. Portanto, o brincar exercita os músculos de nós mesmos o desejo de ser lá na frente sabe-se lá o quê. Acima de tudo, a melhor maneira de potencializar a criança é fazê-la ser criança e principalmente brincar, pois é assim que suas possibilidades de vida podem desabrochar.

Alves R. “Do universo à jabuticaba”. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.
 

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