O desabafo da pomba 

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 04/02/2025
Horário 06:00

Dá licença de meter meu bico por aqui, mas já que tem uma onda de prefeituras e alguns moradores pelo Brasil querendo dar um fim em nossa vidinha de pomba pelas cidades por aí, acho que tenho o direito de responder em nome da minha classe.

Eu, mesma, vivo nesta praça há três anos, pouso, durmo e faço ninho nas árvores, sobrevoo os bancos e descanso nas estátuas que, aliás, ninguém mais olha e nem sabe de quem são. Ou seja, não fazemos mal a ninguém, mas eles alegam que somos sujas, que espalhamos doenças e deixamos tudo fedendo no final do dia. 

Essas acusações são absurdas e daqui do alto, meus amigos, eu vejo de tudo e um pouco mais até do que eu gostaria: é gente jogando bituca, latinha de refrigerante, papel de bala, sacola plástica, tudo no chão. Vejo sacos de lixo sendo largados de qualquer jeito, abertos, comida apodrecendo, resto de marmita esquecida. E nós é que somos sujas? Ora, se nós bicamos alguma coisa do chão, é porque os humanos jogaram ali primeiro.

E querem falar de doenças? Ah, me poupem! Já vi gente cuspindo no chão, deixando restos de comida no banco, urinando atrás das árvores sem nenhum pudor. E tem mais: vivem trazendo os cachorros para fazer necessidade por aqui e nem sempre limpam. 

Pois bem. Agora vamos para uma parte que fico ofendidíssima: o mau cheiro. Já falei do lixo que deixam jogado nas praças, né? Isso não conta? Mas piora e vou te fazer uma boa pergunta: você já entrou naquele banheiro público que tem ali na praça? Misericócó, como diz um amigo meu, o Thiago. Toda praça tem um banheiro público horrível para chamar de seu e os prefeitos deviam fazer suas necessidades ali todo dia para saber o que é mau cheiro.

Pois bem, e não acabou porque quando me provocam, sai de baixo. Não é só cocô que eu solto nos carros não. Solto o bico mesmo.

As prefeituras dizem que querem melhorar as praças tirando a gente daqui. Mas quem é que vai resolver os verdadeiros problemas? Porque eu já disse que vejo tudo do alto e é bem fácil enxergar por aqui os moços novos que vêm se entorpecer na madrugada. Também vejo as brigas que estouram sem motivo, os moradores que dormem encolhidos nos bancos, tentando se cobrir com papelão, porque muitas vezes são deixados de lado pelas famílias e pelo poder público. 

Fora as luzes queimadas que fazem com que algumas praças virem verdadeiras emboscadas para os moradores. Isso não é problema? Para alguns, claaaaro, que não! Em vez de resolver isso, decidiram que o problema somos nós, as penosas.

Se tem uma coisa que vive sendo abandonada nas cidades por aí são as praças públicas e deveria ser o contrário. Deveriam ser espaços públicos de lazer para toda família, com música, alegria, esporte e descanso. E se querem uma praça limpa e segura, talvez devessem olhar primeiro para o que os próprios humanos fazem. Tenho pena desse povo que não se enxerga. Muitas penas, aliás.

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