O que é a usucapião? Ela pode ser feita no cartório?

Bruna Melo

COLUNA - Bruna Melo

Data 09/10/2020
Horário 06:08

O Código de Processo Civil instituído pela Lei Federal 13.105 de 2015 trouxe boas novas, a possibilidade de realizar o procedimento da usucapião de maneira extrajudicial, ou seja, diretamente nos cartórios, conforme artigo 1.071. Desta forma, antes uma ação de usucapião que a depender da vara e localidade, poderia demorar em média cinco anos, atualmente no extrajudicial pode ser resolvido em meses.
A usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, sendo uma importante maneira de efetivar o princípio constitucional de dar função social à propriedade e de regularizar situações onde o bem é imprescindível para a moradia, subsistência ou atividade econômica do possuidor. Pode-se conceituar a usucapião como uma espécie de aquisição da propriedade pela posse qualificada prolongada no tempo. É muito comum nos casos de chácaras e imóveis com descrição precária em que não se forma o polígono.
Uma curiosidade sobre o nome, se é correto a utilização no feminino “a usucapião” ou no masculino “o usucapião”, é que ambas maneiras são aceitas. Neste artigo, trataremos como a usucapião, uma vez que o legislador civilista optou pelo feminino. Para se pleitear a usucapião, são necessários alguns requisitos, como a posse qualificada pela conduta de dono, sendo esta posse contínua, exercida de forma mansa e pacífica por um lapso temporal. O justo título e a boa fé são requisitos expressos como na usucapião ordinária (1.242), ou presumidos pelo decurso do tempo, como no caso da extraordinária (artigo 1.238), ambas do código civil.
Além das espécies mencionadas, ainda existe a usucapião: constitucional urbana (CF, artigo 181) constitucional rural (CF, artigo 191 e Lei 6969), urbana coletiva (Estatuto da Cidade, artigo 10), especial indígena (Lei 6001, artigo 33), legitimação da posse (Lei 13465, artigo 25 a 27) e decorrente de abandono do lar (CC/02, artigo 1240-A), sendo esta última com o menor prazo previsto na legislação para o instituto, dois anos de posse qualificada.
Nos termos do artigo 1.071 do CPC, para que seja possível se realizar o procedimento no cartório, é necessário ser representado por advogado e dar entrada no cartório de registro de imóveis da circunscrição competente com a apresentação dos seguintes documentos: I - ata notarial lavrada pelo tabelião para verificar o tempo de posse; II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado e anuência dos titulares tabulares e confrontantes; III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
É importante ressaltar que deverá haver uma sintonia entre o tabelião que lavrará a ata notarial, o advogado que irá assessorar e providenciar a documentação e o registrador de imóveis, que irá fazer a qualificação para análise da viabilidade. No Estado de São Paulo, a usucapião também foi regulamentada pelo Provimento 58 de 2015 e em nível nacional pelo Provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça.
O requerente deve ser assessorado por bons profissionais para que obtenha êxito do procedimento na via administrativa (cartórios), pois a ata notarial e o requerimento feito pelo advogado para o oficial registrador devem contemplar todos os requisitos exigidos, como a modalidade da usucapião pretendida, a existência ou não de “acessio/sucessio possessionis”, a existência ou não de benfeitorias, posse qualificada, assim como afastar algumas situações que geram a impossibilidade de usucapião, como a detenção e a posse viciada (clandestina, precária e violenta).
A Lei 13.465 de 2017, que alterou o procedimento da usucapião, foi muito importante para o procedimento extrajudicial. Antes da modificação, uma vez notificado um confinante e se o mesmo permanecesse sem manifestar, era presumido legalmente como recusa, e a partir da alteração, o silêncio é interpretado como anuência, viabilizando o andamento da usucapião.
Um grande entrave para os cartórios de notas é a territorialidade imposta pelo Provimento 65 CNJ, que estabelece no artigo 5º, que a ata notarial somente poderá ser lavrada pelo tabelião do município onde se situa o imóvel. Desta maneira, se o imóvel está localizado em Araçatuba, somente os cartórios de notas daquele município poderão fazer a ata notarial. A escolha pelo tabelião conforme a Lei 8.935/1994, é livre e pautada na confiança, desta maneira não há uma harmonia legislativa entre o provimento e a lei. Assim, até a alteração do referido provimento é necessário procurar o tabelião do município do imóvel para dar seguimento no procedimento da usucapião.
 

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