O avanço da extrema direita e de projetos autoritários não é um fenômeno isolado ou restrito a crises políticas pontuais. Ele revela algo mais profundo: a existência de um terreno fértil no coração humano, onde medos, ansiedades, frustrações, preconceitos e desejos de ordem encontram voz em líderes que prometem respostas simples para problemas complexos.
Algumas pessoas carregam uma predisposição ao autoritarismo, moldada por visões rígidas de hierarquia, obediência cega e necessidade de ordem absoluta. Outras, embora não apresentem essa inclinação, acabam sendo levadas ao mesmo caminho pela insegurança social, pela perda de referências e pela sensação de caos, que as tornam vulneráveis a lideranças fortes, capazes de oferecer certezas fáceis e apontar inimigos visíveis. Essa combinação — de predisposição e de fragilidade — ajuda a explicar por que projetos autoritários encontram tanto eco mesmo em sociedades democráticas.
A história mostra o resultado. A Alemanha nazista não se ergueu apenas sobre a figura de Hitler, mas sobre milhões que, por medo, ressentimento ou conveniência, fecharam os olhos diante do horror. O mecanismo se repete: mudam-se os nomes dos inimigos, mas a engrenagem da submissão permanece a mesma.
A lembrança de “A Personalidade Autoritária”, obra clássica de Theodor Adorno e colegas, publicada em 1950, é iluminadora. O estudo mostrou que certas predisposições psicológicas — submissão a autoridades rígidas, intolerância à diferença, agressividade contra minorias, rigidez moral e mentalidade hierárquica — tornam indivíduos mais suscetíveis a ideologias fascistas. Não bastam líderes carismáticos para que o autoritarismo floresça: é preciso que haja uma base social predisposta a acolher esse discurso.
Hoje, em tempos de redes sociais, algoritmos e fake news, essas predisposições encontram canais ainda mais poderosos de difusão. O ressentimento, a frustração e o medo ganham palco e são constantemente alimentados, transformando a raiva em combustível político. Como já dizia Adorno, a ameaça à democracia não vem apenas de cima, mas também de baixo, das disposições subjetivas que tornam parcelas da população cúmplices de sua própria submissão.
Compreender esse terreno fértil é crucial. Enfrentar o autoritarismo não se limita a combater seus líderes ou desmontar suas estratégias digitais. É preciso também cultivar uma cultura democrática mais robusta, baseada em educação crítica, justiça social e tolerância. Só assim será possível reduzir o espaço interno em que o autoritarismo germina — esse espaço de medo e insegurança que, quando não é cuidado, acaba se transformando em apoio à violência e à opressão.