O Trauma de Seu Eustáquio com o Cinema

O Espadachim, um cronista de um tempo bizarro

OPINIÃO - Sandro Villar

Data 30/06/2020
Horário 04:30

Humilde e bonachão e prestes a completar 97 anos, seu Eustáquio nunca assistiu a um filme, não sabia o que era cinema, a não ser de ouvir falar. Quando saía à rua passava longe do cinema de sua cidadezinha, onde nasceu, casou e teve uma penca de filhos, sem contar os inúmeros netos e bisnetos.

"Vô, hoje o senhor vai comigo ao cinema. Vai passar um filme do Mazaroppi", convidou o neto mais velho do seu Eustáquio. O idoso recusou o convite, o que deixou o neto surpreso. Os filhos não estranharam, pois sabiam que o velho pai tinha trauma de cinema, coisa antiga e até certo ponto divertida. Quanto ao Mazaroppi, o comediante fazia o maior sucesso Brasil afora nos anos 50 e 60 do século 20 ou XX, como queiram.

O convite do neto tinha um motivo especial. É que o avô era um caipira meio simplório e, assim, nada mais conveniente do que levá-lo para conhecer o maior caipira brasileiro, Mazaroppi, até então tido como o rei do cinema nacional. A diferença é que o comediante interpretava um caipira esperto, ladino pra cachorro.

A ojeriza do seu Eustáquio com o cinema era antiga e, soube-se depois, começou com a chegada da televisão ao Brasil em setembro de 1950, quando Assis Chateaubriand inaugurou a Tevê Tupi, com apenas meia dúzia de aparelhos, se tanto, em São Paulo.

Uma vez ele assistia televisão na sala e a atração era um filme de faroeste. Bandido a dar com pau e o mocinho fazendo das tripas coração e pulmão para botar ordem na casa, no caso, o lugarejo dominado pelos meliantes. Em uma das cenas, um pistoleiro apontou o revólver quase em close e atirou. Simplório, seu Eustáquio achou que "a coisa era com ele" e, apavorado, saiu correndo da sala. Foi se esconder no quarto. "Vô, se aquieta. É só um filme", explicou uma neta.

Em outra ocasião seu Eustáquio cismou de ver, também na tevê, um filme de gângsteres, numa tentativa de superar o trauma. Ah, respeitável público: a porca torceu a cauda. Quando um ator que interpretava um gângster começou a dar tiros com uma metralhadora, seu Eustáquio "quase teve um troço". Ofegante, saiu correndo da sala e foi para o quintal da casa. Se escondeu numa bananeira. Tremia de medo e parecia um cacho de bananas entre as folhas.

Casos semelhantes ao do seu Eustáquio aconteceram mundo afora desde que os irmãos Lumière inventaram o cinema no fim do século 19. Aliás - e por falar nisso -, um filme deles assustou o público presente num cinema de Paris. Mostrava um trem chegando na estação. Maior confusão na plateia. Os espectadores cismaram que seriam "atropelados" pelo trem e saíram correndo do cinema.

 

DROPS

 

Água mole em pedra dura tanto bate até que causa inundação.

 

Se o curto-circuito já causa um grande estrago, imaginem o longo-circuito.

 

Previsão do tempo: vai chover na horta de poucos.

 

FHC tem duas canoas, uma para cada pé.

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