Nasci no dia 30 de outubro de 1952. Sou o terceiro filho de sete. Cinco homens e duas mulheres. Nasci sem sonhos. Mal sabia que iria virar um sonhador. Fui crescendo e os primeiros sonhos começaram a nascer. Não me lembro da idade quando pela primeira vez peguei em duas baquetas. Sei que era ainda uma criança. Meu pai colocava discos de música árabe. A percussão da música batia forte no meu coração. Depois vinham os discos de samba. O coração batia mais forte ainda.
Eu ficava batendo as baquetas no braço do sofá, imitando um dos maiores bateristas brasileiros da bossa nova e jazz, Rezala José. Foi baterista da famosa orquestra de Silvio Mazzuca. Seu apelido era Turquinho. Sentia uma emoção diferente. Vou ser baterista, nem sabia o que era. Foi meu primeiro sonho.
O tempo foi passando rapidamente. Minha casa vivia cheia de amigos. A música sempre presente junto com a paixão pelo Corinthians. Já estava na adolescência, sofrendo com meu time de coração. O Santos de Pelé mantinha um tabu de muitos anos diante do Corinthians. As gozações eram frequentes e insuportáveis. Quando meu time perdia, não queria ir para a escola. Mas a gozação chegava até em casa. Lembro que depois de 11 anos de tabu, entre o Santos de Pelé e o meu Corinthians de Rivelino, era um verdadeiro martírio a espera desse lendário confronto. Que pavor. Quando esse sofrimento vai terminar?
Chegou o dia de mais um jogo entre Santos e Corinthians. Será que é hoje? O sofrimento me ensinou muitas coisas. O futebol é como a vida. Sorri quando se ganha e chora quando se perde. Dia 6 de março de 1968, eu tinha apenas 15 anos. O jogo foi no Pacaembu. Ainda não se transmitiam os jogos pela televisão. O rádio era o principal meio de comunicação. O talento dos locutores esportivos era de outro mundo. Nos levava a sentir grandes emoções como se estivéssemos dentro do estádio. Impressionante.
Um dos papas da locução esportiva era Fiori Gigliotti com seu famoso bordão: "Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo". Meu irmão mais velho, Sergio, ligou o rádio. A adrenalina na velocidade da luz. Com o rádio ligado ouvindo Fiori Gigliotti. Fiori era um mágico e sua dramaticidade para narrar me dava mais arrepios na alma.
Começa o jogo. Rivelino chuta uma bola na trave. Ouço o uhuhuhuh da torcida. Será que é hoje que vamos vencer o invencível Santos de Pelé? Aos 13 minutos, Paulo Borges depois de tabelar com Flávio "Minuano" faz o primeiro gol. Um golaço. Saí gritando pela casa com meus irmãos. Pqp gollllllllll. Fiori descreve o gol com se fosse um poema. Aos 31 minutos, Rivelino lança Flávio, que aproveita a chance e aumenta para 2 a 0. Deus existe. Chorei de felicidade. A humilhação tinha acabado. Lembro que não dormi direito. Era muita adrenalina. Ali, naquele momento sublime, estava nascendo o meu segundo sonho: Ser jogador de futebol e jogar de volante no Corinthians. Sonhos serão sempre sonhos.
CORINTHIANS
Diogo, Osvaldo Cunha, Ditão, Luís Carlos (Clóvis) e Maciel; Édson Cegonha e Rivelino; Buião, Paulo Borges, Flávio e Eduardo.
Técnico: Lula
SANTOS
Cláudio, Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Joel (Oberdã) e Rildo; Lima e Negreiros; Kaneko, Toninho, Pelé e Edu.
Técnico: Antoninho