Pesquisa paulista avança no combate ao coronavírus

Contexto Paulista

COLUNA - Contexto Paulista

Data 14/03/2020
Horário 04:00

Repercute fortemente no meio acadêmico o feito dos pesquisadores do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo), que conseguiram isolar e cultivar em laboratório o coronavírus SARS-CoV-2 obtido dos dois primeiros pacientes brasileiros diagnosticados com a doença no Hospital Israelita Albert Einstein, na capital. O destaque ao desempenho da equipe paulista frente à nova doença se deve especialmente à agilidade com que os resultados foram obtidos, gerando impacto positivo no momento em que o novo coronavírus começava a circular no Estado de São Paulo. É um exemplo da importância de manter uma estrutura de pesquisa ativa e capacitada a dar respostas a problemas emergentes que afetam a sociedade de maneira inesperada. Graças a esse trabalho, os vírus serão distribuídos para grupos de pesquisa e laboratórios clínicos públicos e privados em todo o país com o objetivo de ampliar a capacidade de realização de testes diagnósticos e avançar em estudos sobre como a doença é causada e se propaga, de acordo com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Controles facilitados
A disponibilização de amostras dos vírus cultivados em células na USP permitirá aos laboratórios clínicos terem controles positivos para validar os testes de diagnóstico, de modo a assegurar que realmente funcionem, segundo explica Edison Luiz Durigon, professor do ICB-USP e coordenador do projeto. De acordo com o pesquisador, a falta dessas amostras do vírus para serem usadas como controles positivos poderia limitar o diagnóstico de coronavírus no Brasil.

Barateamento de custos
Como o SARS-CoV-2 surgiu no exterior, as amostras de vírus que têm sido utilizadas como controle positivo nas técnicas de diagnóstico empregadas por laboratórios brasileiros nesse início do surto no país são importadas da Europa e dos Estados Unidos, a um custo que varia entre R$ 12 mil e R$ 14 mil. Além do custo, os vírus importados hoje pelos laboratórios brasileiros têm de ser transportados sob refrigeração, em gelo seco, o que encarece muito o frete. Por isso, o diagnóstico de casos da doença no país tem sido feito principalmente por laboratórios privados e laboratórios de referência no setor público que têm recebido os casos suspeitos, de acordo com a Agência Fapesp.

Passo a passo
Ainda de acordo com a agência oficial da Fapeps, na rede pública, quatro laboratórios de referência nacional realizam os testes atualmente: Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo; Instituto Evandro Chagas, no Pará; Fiocruz, no Rio de Janeiro; e Laboratório Central de Goiás, que foi capacitado para realização do exame específico para coronavírus dos brasileiros repatriados da China. O primeiro teste tem sido feito pelos hospitais de referência de cada estado e o material coletado é então encaminhado para um desses quatro laboratórios para contraprova.

Kits em todo o país
“Os vírus que conseguimos cultivar em laboratório poderão ser usados em um kit para diagnóstico que o Ministério da Saúde distribuirá para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública [Lacens] em todo o país. Com isso, todos os Estados estarão aptos a realizar o diagnóstico”, diz Durigon. Os vírus serão distribuídos para os laboratórios clínicos inativados, ou seja, sem a capacidade de infectar células, e em temperatura ambiente. Os laboratórios clínicos receberão alíquotas com mais ou menos 1 mililitro (ml) de vírus inativado. O ácido nucleico dessas amostras será então extraído e usado como controle positivo em exame baseado na técnica conhecida como PCR (reação em cadeia da polimerase em tempo real, na sigla em inglês). Essa técnica permite amplificar o genoma do vírus em uma amostra clínica, aumentando em milhões o número de cópias do RNA do coronavírus. Dessa forma, é possível detectá-lo e quantificá-lo em uma amostra clínica.

Quatro horas
“O PCR permite fazer o diagnóstico em até quatro horas. Mas ainda são poucos os laboratórios no país que têm o equipamento disponível”, diz Durigon. A fim de superar essa limitação, os pesquisadores também pretendem desenvolver outros testes de diagnóstico baseados em outras técnicas mais acessíveis, como análise por imunofluorescência – método que permite visualizar antígenos em uma amostra por meio de corantes fluorescentes. “Se conseguirmos validar um teste desse tipo específico para o coronavírus seria possível que outros laboratórios e hospitais que não têm o equipamento para o exame por RT-PCR também façam diagnóstico”, avalia Durigon.

O legado do zika
Segundo o pesquisador, o isolamento e a reprodução do coronavírus em laboratório foram possíveis por meio de recursos obtidos da Fapesp para a instalação no ICB-USP de dois laboratórios de nível de biossegurança 3, destinados à manipulação de agentes com potencial de causar doenças graves ou infecção letal. A infraestrutura foi inicialmente criada para o cultivo do vírus zika. A construção desses laboratórios no início de 2016, no auge da epidemia do vírus zika no país, tem permitido cultivar, agora, não só o coronavírus, mas também o influenza (causador da gripe) e outros, a fim de avançar no diagnóstico de vírus emergentes, ressaltou Durigon.

 

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