Precisamos falar sobre “ghosting”

OPINIÃO - Matheus Teixeira

Data 22/08/2020
Horário 05:00

[1º DIA] Oiii, td bem? [3º DIA] Aconteceu alguma coisa? Vc recebeu minha msg? [8º DIA] Vc tá aí? Tô preocupada. [12º DIA] Se eu te fiz alguma coisa me fala, por favor… Tô sem entender nd!!! [15º DIA] Vc sempre respondia no msm dia!

De repente, um conhecido não responde mais suas mensagens na internet. Vocês não brigaram nem ocorreu nada demais, porém passam a te ignorar, seja em relacionamento amoroso, amistoso, familiar, profissional ou de um contato de outra esfera da sua vida. Ignorar não quer dizer pura e simplesmente ser bloqueado: às vezes, o bloqueio não acontece, mas você nunca mais é respondido ou recebe respostas monossilábicas após semanas. Já aconteceu? Se sim, você já foi vítima de “ghosting”, uma prática cada vez mais comum em redes sociais virtuais e aplicativos de mensagens instantâneas.
Ghosting, vocábulo inglês, é daquelas palavras intraduzíveis, a qual me esforço para tentar trazer um significado à língua portuguesa. Derivada de “ghost” (fantasma), ghosting reflete o comportamento de um ser humano que resolve, do nada, desaparecer da vida do outro por meio digital. O “fantasminha nada camarada” prefere evitar alguém que até há pouco mantinha contato habitual do que mencionar que não quer mais conversar. É praticamente um “sair de fininho” reinventado, tecnológico. Não se trata de um “sumiço” no sentido estrito, porque você sabe que o fantasma ainda está vivo e mantendo sua rotina.
Meus colegas psicólogos são capazes de explicar com bastante propriedade o que leva a esse tipo de comportamento e quais danos pode causar. Os colegas operadores do Direito também são convidados a entrar na conversa: será que “visualizar e não responder” já pode ser usado como prova de omissões, por exemplo? Pensando sob o viés da comunicação, acredito que ser vítima de um fantasma é pior do que ter uma discussão. Afinal, você não conseguirá jamais saber o porquê do sumiço, já que, é claro, não vão te responder. Essa falta de comunicação torna-se algo horrível, faz com que quem se deparou com o fantasma crie milhões de hipóteses em sua cabeça, sinta-se culpado, revoltado, curioso, ansioso.
Na chamada “vida real”, em espaço físico e concreto, pessoas ignoram as outras todos os dias. Então, o que há de novidade? É necessário refletirmos se o "ghosting" parte dessa premissa de que “ignorar é normal” ou se o fantasma apenas ignora alguém no âmbito virtual, abstrato. Tenho a crença de que a maior parte dos atos de "ghosting" ocorre, sim, devido ao aparato tecnológico, pois a maioria se sentiria sem coragem para não responder pessoalmente ou não esboçar reação frente à interação de carne e osso.
Repensemos, portanto, se já fomos ou estamos sendo fantasmas na vida de um semelhante. Agimos como ghosts por sermos instintivamente maus e darmos vazão a isso ao nos apegarmos à facilidade proporcionada pela tecnologia?
 

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