QUESEDE EGER DOS SANTOS, missionária no Camboja

“Não posso transformar o mundo, mas posso transformar o mundo de alguém”

PRUDENTE - DA REDAÇÃO

Data 30/08/2020
Horário 05:28
Cedida: Quesede Eger dos Santos, no Camboja, onde vive há 4 anos e desenvolve trabalho contra o tráfico humano e exploração de crianças
Cedida: Quesede Eger dos Santos, no Camboja, onde vive há 4 anos e desenvolve trabalho contra o tráfico humano e exploração de crianças

Quesede Eger dos Santos, 36 anos, natural de Presidente Prudente, é filha de dona Ilze e Jeremias Bispo dos Santos – pastor da Igreja Casa de Oração. Estudou no Colégio Adventista e graduou-se em Administração, pela Unoeste, mas optou pelo trabalho missionário. Começou em Belo Horizonte. Resgatava mulheres vítimas da prostituição das ruas e desenvolvia trabalho contra o tráfico humano e exploração de crianças. Mas soube de um país onde crianças encontram-se em situação de vulnerabilidade pior que no Brasil, o Camboja, na Ásia – país que ainda se recupera das atrocidades do Khmer vermelho, período de 4 anos, nos quais mais de 3 milhões de cambojanos foram assassinados.  Sabe-se que no Brasil há também lugares em que a pobreza é extrema e muitos outros em que a prostituição infantil é uma realidade. Contudo, o que se vê no continente asiático não se vê em parte alguma do nosso país. Quesede e o marido Flávio, moram no pequeno vilarejo de Kampot, no interior cambojano, numa vila-lar, onde cuidam de 30 crianças.

Quando surgiu a vontade de ser missionária?
Justiça social sempre pulsou no meu coração. Embora eu tenha crescido numa família missionária, nunca imaginei que um dia seria missionária em tempo integral. Sempre me envolvi com causas sociais. Em 2011, separarei um período “sabático” e fui para Minas Gerais fazer um treinamento missionário que duraria 5 meses. Nesse período entendi que poderia ser muito mais efetiva, se me dedicasse integralmente. Esses 5 meses se tornaram anos...

Qual era seu propósito?
Promover a justiça social através do amor e equidade. Tenho certeza que não posso transformar o mundo, mas assim como meu país diz, eu posso transformar o mundo de alguém.

Como era o trabalho anterior no Brasil?
Era um trabalho de valorização humano, cuidado e apoio emocional para mulheres, travestis e prostitutas. Embora seja muito marginalizada e malvista, a prostituição não é crime no Brasil, mas a exploração sexual sim, ou seja, a cafetinagem. E para toda prostituta existe um cafetão, que por vezes também são chamados de maridos, pais, amigos... A exploração sexual consiste em lucrar com o corpo de alguém em atividades sexuais. Os direitos mais básicos dos profissionais do sexo são roubados, para garantir a lucratividade dessa atividade. Na região onde eu atuava, trabalhavam cerca de 4 mil mulheres, uma das maiores zonas de prostituição do Brasil. Muitas mulheres passavam meses dentro de quartos minúsculos, sem ventilação, com a intenção de juntar dinheiro e “sair dessa vida”. Geralmente esse plano não dá certo. Os custos para usar o quarto são grandes. A necessidade de fugir dessa realidade faz com que muitas usem drogas, psicotrópicos não prescritos e muito álcool. Nisso, o dinheiro se vai junto com os sonhos de outra vida. Nenhuma mulher entre na prostituição porque gosta, ou porque é “sem vergonha”. As histórias delas sempre esbarram em abusos, abandono, negligência marital ou parental, filhas expulsas de casa, mães de várias crianças abandonadas pelo marido, desemprego e por falta de opções no momento da crise acabam se permitindo ao trabalho sexual como esperança de sair assim que conseguir coisa melhor. Os dias se passam, a “coisa melhor’ não chega e começa a nascer dentro dessas mulheres a certeza de que não são aptas a fazer mais nada além de sexo, o sonho e as esperanças começam a morrer, na medida que a sociedade isola e marginaliza essas mulheres. Elas não são bem-vindas nas igrejas, nas escolas, nos hospitais, nos parquinhos, mas entrevistas de emprego...Se alguém descobre sobre a atividade delas, logo recrimina e por medo, elas desistem de tentar.

Qual era seu papel junto com as prostitutas?
O meu papel é desconstruir nelas o sentimento de inferioridade, reafirmá-las enquanto mulheres, mães e seres humanos que são. Lembrá-las dos sonhos deixados para trás e encorajá-las a não desistir. São mulheres fortes, guerreiras e que lutam umas pelas outras sem apoio ou cuidado da sociedade.

E o Camboja, como você foi parar em lugar tão distante?
O sudeste asiático é a rota de tráfico humano mais ativa no mundo. A beleza exótica desse povo e a fragilidade social desperta interesse em estupradores e pedófilos ao redor do mundo. Esse fator sempre manteve atenta ao que acontecia desse lado do mundo. Mas, o chamado para o Camboja foi em um sábado chuvoso, quando eu assistia um documentário sobre o real custo da indústria têxtil (indico-thetruecost). O documentário relatava em poucos minutos a vida de mulheres e crianças cambojanas que trabalham em industrias em condições insalubres. Os baixos salários as forçavam a ter uma segunda atividade: a venda do corpo. Meu coração explodiu naquele momento, sabia que eu precisava vir para cá. Ainda não entendia muito bem o que precisava fazer, mas tinha a certeza de que tínhamos que estar aqui.

Como é seu trabalho missionário no Camboja?
Temos uma casa lar para crianças vítimas de exploração sexual ou em risco. Nosso objetivo é que o ciclo de violência e vulnerabilidade seja quebrado nessas crianças, e que a partir delas, uma nova geração seja fortalecida nesse país. Nos preocupamos em oferecer um ambiente familiar saudável, com mínimo impacto institucional possível. Cada criança tem sua cama, seu guarda roupa, seus brinquedos, assim como numa família tradicional. E uma das principais ferramentas para garantir o sucesso no desenvolvimento delas e a educação. O país ainda tem uma lacuna bem grande na área educacional, por isso nossas crianças estudam em escola particular bilíngue. Elas também aprender português, e são sempre cuidadas com muito amor. O amor e a chave para a cura emocional e a transformação.

Como o projeto é visto pelas autoridades cambojanas?
O governo começou a implantar leis de proteção para crianças e adolescentes. Junto com as organizações tem feito esforço policial para combater a pedofilia. Recebemos aprovação para o trabalho de acolhimento de vulneráveis. Nosso trabalho é legalizado e autorizado pelo Governo. No entanto, é diferente do Brasil, as ONGs não recebem suporte financeiro.

E a comunidade cambojana, como vê atuação de missionários brasileiros?
O povo cambojano é muito querido. Mesmo com a vida difícil, estão sempre sorrindo. Somos bem acolhidos pelos cambojanos. Eles entendem que estamos aqui para ajudar. Tomamos cuidados de não desrespeitar a cultura local e os costumes.

Como é o povo cambojano?
Gente pacífica e trabalhadora. A impressão que temos é que eles vivem em uma outra época. As pessoas ficam sentadas nas calçadas e parques, conversando e compartilhando uma comidinha. Aqui a vida gira num ritmo mais lento (o que foi um choque para nós, no começo). Muitas coisas da atualidade ocidental não fazem o menor sentido para eles. Por exemplo, “vocês fazem compras uma vez por mês e estocam na geladeira e no freezer?” “Para quê?”, perguntam! “Porque não compram fresco”! “Como assim não tem tempo?”

Como é sua rotina em temos de pandemia?
Nossa rotina é bem pesada. Nessa pandemia se intensificou. Antes, as crianças precisavam estar na escola as 7 da manhã, estudavam até 10h30. Nesse período dava para respirar um pouquinho porque só dois menores ficavam em casa. À tarde, as 13 horas, metade da turminha voltava para a escola, e as 14h30 ia a outra metade. As 17 horas, todo mundo estava em casa. Como nossa equipe é bem pequena, fazemos tudo: cozinhamos, lavamos roupas, limpamos o quintal – que é bem grande, organizamos a casa e desenvolvemos atividades lúdicas e sociais para as crianças. Nossa rotina só acaba 20 horas, quando tudo mundo está na cama. Hoje, por conta da pandemia estamos com as crianças 24 horas por dia. É desafiador, mas estamos sobrevivendo (risos).

Quais as características da região?
Escolhemos uma cidade pequena do interior, lugar calmo e bem aconchegante. Chama-se Kampot. Tem um rio na cidade, e eventualmente levamos as crianças para nadar lá, andar de bicicleta e correr na orla do rio.  O acesso a arte e cultura é mais limitado, mas ainda assim, por ser uma cidade interiorana, considero que morar aqui é bem melhor que na capital, que é muito agitada, com um transito alucinante e barulhenta. Nossa casa é na verdade uma pequena vila, constituída por 7 casas mobiliadas para receber 30 crianças. Temos bastante quintal e um parquinho construído por uma equipa de brasileiros que vieram especificamente para isso.

Já deu vontade de desistir?
Não! Mas morro de saudades.

Depois de tantos anos, o que a motiva continuar?
Ver o resultado de nosso trabalho em cada mulher que hoje se sente mais segura e tem a coragem de sonhar outra vez, e agora ver o amor e a compaixão inundando o coração dessas crianças.  É lindo ver a preocupação delas com as pessoas menos favorecidas. Perguntam: Podemos levar água e comida no carro? Para que? Para poder ajudar alguém como fome e sede...(meu coração não aguenta!).

Como vocês mantém esse trabalho missionário?
Através de pessoas que acreditam no que fazemos e contribuem com doações recorrentes ou pontuais. Chamamos essas pessoas de parceiros, mantenedores ou investidores, porque elas realmente fazem parte da vida dessas crianças e estão investindo para que elas tenham um futuro digno. Consequentemente teremos um mundo melhor. Nossos recursos sempre foram escassos, e agora ainda mais, e tem sido difícil sustentar as necessidades básicas das crianças.

Como as pessoas interessadas podem ajudar?
Podem fazer suas doações, através das contas bancárias ou Pay Pal. Nós gostamos muito de conhecer nossos parceiros, então fica o convite para que os interessados em ajudar entrem em contato para conversarmos um pouquinho, pelo e-mail safeplacemission@gmail.com

Caso queiram saber mais sobre nós, compartilhamos um pouco do nosso dia a dia nas nossas redes sociais, integram e facebook @safeplacemission

 

 

 

 

 

 

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