Ritual de passagem

É chegada a hora do nascimento. A bolsa amniótica rompe-se. Nasce ou nasce. Não há escolhas. A natureza incumbe-se da expulsão. Podemos pensar nesse turbilhão aquoso se esvaziando e o cordão umbilical da ligação vital, sendo cortado. Cesura do nascimento. O pulmão precisa, nesse momento do nascimento, inflar em direção à vida. 
Há um filósofo chamado Blake, 1794, que diz assim, “Minha mãe gemia, meu pai chorava. Neste mundo perigoso saltei. Impotente, nu, com um grito estridente: como um espírito mal oculto em uma nuvem. Debatendo-me nas mãos de meu pai, lutando contra meu cueiro. Aprisionado, exausto, achei melhor amuar-me sobre o seio de minha mãe”. Esse ritual de passagem é muito significativo. 
Conforme Buber, outro filósofo muito antigo, “...no ventre da mãe o homem conhece o universo e esquece-o ao nascer”. Ao nascer realmente esquece-se o paraíso. O purgatório e o inferno, como diz Dante Alighieri, na Divina Comédia, são o próximo passo. Engatinhando, vamos tateando de quatro ao chão, esperando poder andar com dois pés de forma ereta. Há o horizonte para ser contemplado. A infância, adolescência, fase adulta vêm marcadas por muitas passagens, bem como seus rituais. 
Quando observamos nossos filhos distanciando-se em direção da escola, o pensar subitamente surge em direção ao processo de separação. Em seguida, vão surgindo outras atividades como: excursões, grupos, afinal, o grande universo. Estamos deixando as trevas e seguindo em direção à luz. 
Assisti um documentário chamado “Professor Polvo”, que me tocou muito e profundamente. Super indico. É necessário prestar atenção bem no início, e ao final tem uma cena fantástica sobre ritual de passagem da mãe para filhos. As fêmeas (polvo) depositam os ovos fecundados num “ninho” em fileiras. Durante a maturação dos ovos, a fêmea cuida deles, evitando que algas e outros organismos os ataquem. Durante esse período, a fêmea não se alimenta e normalmente morre pouco depois dos ovos eclodirem. Os filhotes se se alimentam de pequenos animais plâncton, larvas de caranguejos e estrelas-do-mar. Os simbolismos contidos nos rituais de passagens são muito significativos. Há momentos em nossa vida em que é necessário alavancar, sair da zona de conforto e avançar. Tornar-se sujeitos e autores da própria vida. E há momentos de decantação para deixar o outro seguir.
 

Publicidade

Veja também