Samba, morro e tragédia!

OPINIÃO - Saulo Marcos de Almeida

Data 22/02/2022
Horário 04:30

Eis aqui este sambinha feito numa nota só
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só
Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada
Ou quase nada
Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim 

Que me perdoe a Música Popular Brasileira, como gênero musical e toda a fama que tem, mas, beleza para mim é fundamental: gosto mesmo é de samba!
Há duas semanas, assistindo à entrevista de Fernando Morais (jornalista e escritor) em TV aberta, vi surpresos os entrevistadores, quando o brilhante biógrafo (Chatô, Olga, entre outros) disse que o samba não nascera nos morros do Rio de Janeiro.
Eu, que guardo Feitio de Oração (samba de Noel Rosa) no arquivo sentimental há tanto tempo, surpreso não fiquei!
Desde 1933, o compositor recita em verso e canção: “O samba, na realidade, não vem do morro, nem lá da cidade. E quem suportar uma paixão sentirá que o samba, então, nasce no coração”.
O estilo musical não precisa ter histórico de nascedouro, porque sua fonte primeira não obedece tempo e espaço. Nasce, simplesmente. Brota no coração de quem ama a arte, a poesia e a transforma em música, sem nunca ter aprendido o “samba no Colégio”. 
Noel Rosa viveu apenas 27 anos (1910-1937) e compôs canções belíssimas que integram seu acervo, de mais ou menos 300 músicas, tão pouco conhecidas do grande público.
Mais famoso que Noel, sem proceder de morro algum, esteve entre nós brasileiros e estrangeiros, Tom Jobim (1927-1994). Perfeito como compositor, maestro, pianista e um dos criadores do movimento Bossa Nova. É relativamente comum ouvir suas músicas e canções em trilhas sonoras de filmes e seus tons e acordes em supermercados, restaurantes, eventos americanos e europeus. 
Aprecio, como ninguém: “Se todos fossem iguais a você”; “Chega de saudade”; “Desafinado”; “Garota de Ipanema”, entre tantas outras. No entanto, a que me fascina por sua beleza, significado e simbolismo é “Samba de Uma Nota Só”. 
Música escrita por Tom Jobim e Newton Mendonça em 1960 e, depois de “Garota de Ipanema”, a mais gravada fora do país. Mundialmente conhecida e tocada em variadas versões. 
Todavia, é uma pena que o samba, além de não ter nascido no morro, não deu Voz ao Morro, como desejava José Flores de Jesus, famoso Zé Keti. “Eu sou o samba. A voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor! Quero mostrar ao mundo que tenho valor”.
Assim, em todo o Brasil, chora-se novamente o desabamento de mais um morro, dessa feita o da Oficina no município de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, na última terça feira (15/02).
Morro sem voz e sem vez! Petrópolis, cidade de pedra (Pedro), que há dias, tornou-se mar de lama. 
Tragédia anunciada como se fosse “Samba de uma Nota Só” a proclamar os mesmos sofrimentos, as mesmas dores de um povo sem qualquer protagonismo, se não quando a chuva desaba a destruí-lo uma vez mais. 
Gente (leia-se político) que existe por aí, que fala, (fala tanto) e não diz nada ou quase nada!
Num ano em que não haverá Quarta-feira de Cinzas, bom mesmo é cantar mais um samba triste, talvez por isso lindo também, de Vinícius de Moraes: “Pelas ruas o que se vê, é uma gente que nem se vê. Que nem se sorri, se beija e se abraça. E sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor. E, no entanto, é preciso cantar. Mais que nunca é preciso cantar. É preciso cantar e alegrar a cidade”. 
Parafraseio o poetinha e, com respeito à arte e sua autoria, o artigo de hoje em oração: “Eu que (sempre) creio, peço a Deus por essa gente. É gente humilde, que vontade de chorar”! 
 

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