Siamesas de Piquerobi recebem expansores de pele antes de cirurgia final

Procedimento garantirá que haja tecido suficiente para cobertura das duas cabeças quando ocorrer separação total, prevista para 29 de julho

REGIÃO - DA REDAÇÃO

Data 17/04/2023
Horário 15:07
Foto: Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
Inserção de expansores de pele ocorreu no sábado, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
Inserção de expansores de pele ocorreu no sábado, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto

Mais uma etapa foi conquistada no processo de separação das irmãs siamesas de Piquerobi, Allana e Mariah, que são acompanhadas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto (SP). Nesse sábado, as crianças passaram por exames e procedimentos que vão influenciar na quarta cirurgia, em que serão realizadas a separação e reconstituição craniana.

No início da manhã, às 8h, as gêmeas fizeram exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética. As imagens obtidas auxiliaram a realização do procedimento que ocorreu em seguida, bem como serão utilizadas para o planejamento da próxima neurocirurgia, que acontecerá no dia 29 de julho. 

Em seguida, foram encaminhadas ao centro cirúrgico às 10h. A equipe da cirurgia plástica, chefiada pelo médico Jayme Farina Júnior, promoveu a inserção de expansores de pele. A bolsa é feita em silicone e todo o conjunto (bolsa, catéter e válvula) fica instalado sob a pele. Periodicamente, será introduzido soro fisiológico nela, o que garantirá o progressivo aumento de volume e ampliação da pele que recobre a cabeça das meninas.

“O planejamento dos cortes de pele nas irmãs Allana e Mariah foi feito de forma que haja tecido suficiente para a cobertura das duas cabeças quando ocorrer a separação total. A expansão que começa a ser feita nos próximos dias vai permitir essa cobertura total”, explica Jayme.

A equipe do Hemocentro de Ribeirão Preto também participou do procedimento. Os profissionais fizeram a punção da crista ilíaca (osso do quadril) para a coleta das células-tronco. O material será encaminhado ao hemocentro, onde será cultivado e preparado para sua futura utilização. 

O procedimento terminou por volta das 14 horas. As crianças foram encaminhadas para a recuperação e passam bem.

Foto: Arquivo - Gêmeas siamesas são acompanhadas desde 2021 pela equipe do hospital

Uso de células-tronco

Células-tronco são células colhidas na medula óssea que podem se diferenciar para a produção de diferentes tecidos e formar ossos, cartilagens ou gordura. A partir do procedimento realizado nesse sábado, as células-tronco serão multiplicadas e serão utilizadas para a formação óssea na reconstrução craniana das meninas. 

Esta é a primeira vez no mundo que essa tecnologia será utilizada na reconstrução dos ossos de gêmeas craniópagas e é a primeira vez no Brasil em que as células-tronco colaborarão na reconstrução craniana.

Em uma simplificação, os fragmentos ósseos são azulejos e o material que vai conter as células-tronco é o rejunte. Na última cirurgia, quando a equipe da cirurgia plástica for reconstruir o crânio, as células-tronco estarão presentes em dois materiais: o primeiro, uma espécie da massa que preencherá os espaços entre os fragmentos de ossos, e o segundo, um gel que cobrirá e fará uma camada protetora. 

A equipe e a família das gêmeas estão otimistas. O chefe do setor de Neurocirurgia Pediátrica, Hélio Rubens Machado, pondera que essa é a primeira vez de um uso de células-tronco muito promissor. “Acredito que essa tecnologia abre uma enorme possibilidade no Brasil. No Hospital das Clínicas, tratamos muitos pacientes com trauma encefálico. Aliás, o trauma de crânio é endêmico no país, especialmente por acidentes no trânsito e violência. Futuramente, esses casos poderão ser tratados também com as células-tronco”, expõe.

Já a mãe das meninas, Talita Francisco Cestari, está com boa expectativa, já que as outras cirurgias correram bem e as meninas se recuperam com celeridade. “A tecnologia evolui muito rápido e a Allana e a Mariah estão se beneficiando disso. Nas outras cirurgias, elas já contaram com tantas evoluções, como o neuronavegador e a realidade virtual, que ajudou os cirurgiões, e agora o uso das células-tronco para ajudar a reconstruir mais rápido o crânio delas”, considera.

Histórico de intervenções

A terceira cirurgia para separação das irmãs gêmeas siamesas ocorreu em março deste ano, com duração de sete horas. A segunda havia sido em novembro do ano passado, com duração de nove horas, enquanto a primeira foi realizada em agosto do mesmo ano, com duração de 9h30.

A técnica utilizada foi desenvolvida e aprimorada pelo médico norte-americano James Goodrich. “Até os anos 1990, a cirurgia era realizada em só uma oportunidade. Com isso, os cirurgiões passavam de 24 até 36 horas no centro cirúrgico e os resultados não eram efetivos, já que fazer a separação de toda a circulação que se comunica parcialmente em uma única vez trazia um sério comprometimento cerebral para as crianças e poucas sobreviviam”, explica Hélio Rubens Machado. “Assim, ele [Goodrich] desenvolveu a técnica chamada de estagiada: são quatro etapas como se fossem os pontos cardeais, completando todo o perímetro”, completa.

A equipe multidisciplinar acompanha as meninas desde 2021, quando ainda estavam na barriga da mãe.

Incidência rara

A incidência de gêmeos unidos pela cabeça é extremamente rara, representando um caso em cada 2,5 milhões de nascimentos.  

No Brasil, a primeira separação de siamesas craniópagas, as gêmeas Maria Ysadora e Maria Ysabelle, ocorreu em outubro de 2018 – após cinco procedimentos cirúrgicos – pela equipe do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. O caso foi acompanhado pelo próprio médico James Goodrich, referência internacional em intervenções com gêmeos siameses e que faleceu por Covid-19 em 2020. 

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