Tentei contar neste livro

António Montenegro Fiúza

.«Tentei contar neste livro, com um mínimo de literatura para um máximo de honestidade, a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau no sul da Bahia. Será um romance proletário?» Jorge Amado, Nota de “Cacau”, 1933

Jorge Amado começou a participar da vida literária aos 14 anos, em Salvador da Bahia e é um dos expoentes máximos da literatura brasileira e da sul-americana; tendo as suas obras desempenhado um papel nevrálgico na revolução literária do país. O seu primeiro livro, escrito aos 18 anos: “O País do Carnaval” teve a sua primeira edição em 1931 e apresenta o Brasil sob o olhar crítico do filho de um rico produtor de cacau, que não se identifica com o país e com a sua cultura, mas que se embriaga nas suas festividades, enche o seu ser da sua informalidade e mestiçagem. 
O tema recorrente das obras de Jorge Amado é o Brasil: o Brasil do dia-a-dia, o Brasil dos simples, do pobre, do rico, do puritano, do bêbedo, do capitão de engenho, do trabalhador braçal, da mulher… mulher empoderada, forte e guerreira, vítima e carrasco das suas vontades e das suas paixões. O Brasil que transpira, que fede, mas que se enche de perfume, banha-se na alegria e dança, espantando os seus demônios, invocando os seus orixás, os seus exus, os seus caboclos… 
Suas obras foram adaptadas para cinema, novelas, minisséries, os seus milhentos personagens e todas as nuances vivenciadas por cada um deles, da triste esperança a doce realidade, ao fio de sangue, ao choro recalcado e ao riso aberto, desprezando as vicissitudes da vida. 
Autor de lágrimas, nos olhos dos personagens e nos dos leitores, que se identificam e criam empatias com os primeiros, sofrendo com eles as suas próprias agruras, Jorge Amado é lido e relido, contado em 49 idiomas, mais do que um escritor, é um escultor de almas, um radiografista expondo as entranhas do seu povo no palco do mundo.
A sua obra calcorreia o ambiente urbano de Salvador da Bahia, do Rio de Janeiro e o ambiente rural das roças, do cacau, dos engenhos, das ruas calcetadas às terras férteis, mostra pais de santo, umbandeiros, prostitutas, meninos de rua, jornaleiros... pessoas, na sua humanidade gritante. Mostra o folclore, a política, a religião, a sensualidade: o país real.
A brutal honestidade dos seus relatos choca, magoa por vezes, mas eleva os leitores, as agruras por que passam os personagens são as mesmas por que passam todos, mas sem o polimento que tendemos a dar à realidade, para melhor suportá-la.

«Um garoto sujo, mal vestido, mercava jornais. O sol rompendo as nuvens que enchiam o céu dava um ar da sua graça. Naquela manhã o céu brasileiríssimo quisera imitar o céu de Londres. E estava cabotinamente plúmbeo.» Jorge Amado, “O País do Carnaval”, 1931
 

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