Um calouro na estrada da vida

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 03/01/2025
Horário 09:07

Tinha lá meus 19 para 20 anos de idade. O majestoso Cine Presidente com suas balas de café e de leite, a charmosa saída das meninas do Colégio Cristo Rei, o guarda Delermo com sua simpatia, as cajamangas, a gostosa sombra da Jaqueira da Avenida Washington Luiz vão se transformar em eternas boas lembranças. Tinha chegado o momento de sair da minha amada aldeia. Estava com ansiedade e medo. Teria que fazer cursinho em São Paulo e sair do aconchego da família e dos amigos. Pânico total. Será que vou aguentar? Tem que aguentar, a vida é lutar sempre.  
A juventude dos anos 60 se negou a se enquadrar no padrão Judaico-Cristã e cantavam é proibido proibir. Os anos 70 estavam nascendo. O regime político do Brasil era comandado por militares. Eu não era muito ligado em política. Me lembro que chorei quando assassinaram o presidente americano JFK. Tinha lá meus 12 anos quando aconteceu esse crime histórico. A juventude da minha época era contra o sistema. Parte dela pegou romanticamente em armas. Acharam que iriam mudar o mundo. Pouco importava o futuro. O presente tem solução e o passado não tinha mais apelo. 
Chegou o dia de ir para São Paulo. O ponto de encontro foi o Restaurante H2. Meu querido amigo, Vado Leal, filho do nosso eterno prefeito Florivaldo Leal e da nossa eterna primeira-dama, Da. Dionisia iria me dar uma carona. Vado já trabalhava no Frigorífico Bordon em São Paulo. Entrei no seu Chevette de cor branca e fomos em busca de novos horizontes. Fui fazer o cursinho no Objetivo que ficava no prédio magnífico da TV Gazeta na Avenida Paulista. 
O mundo estava mudando muito rápido. Um interiorano estranha a indiferença da cidade grande. A timidez me devorava. No meu primeiro dia de aula, assustei com tanta gente na sala. Logicamente me sentei no fundão. Pura insegurança. Já fiz amizade com o Ricardo Cabeção, Tocá e o Niltão (in memoriam). Amizade que venceu o tempo e perdura até hoje e jamais vai ter um ponto final. Prestei vestibular para Psicologia. Por ser o amigo da turma, eu escutava os problemas, era calmo e tinha paciência. Oh magrão você tem que ser psicólogo, me incentivavam os amigos. Levei a sério esses incentivos. Acabei passando não sei como. Nunca fui um cara estudioso. 
Por obra do destino, que foi muito generoso, meus amigos: Ricardo, Tocá e Niltão passaram também na mesma faculdade que eu. Nos aproximamos ainda mais. Minha primeira aula foi de sociologia. Não me lembro o nome desse professor. Acho que era Roberto. Sua aula era de uma militância baseada numa ideologia dita de esquerda. Um jovem como eu, seria presa fácil influenciado por uma utopia. Saía da aula querendo ser um Che Guevara tupiniquim. Que vida é essa? Estava com fúria no corpo. Temos que lutar para termos mais liberdade, mais justiça e bla, blá, bla... e por aí vai. 
Pra que tanto consumismo? Olhem as mazelas e as injustiças sociais desse capitalismo selvagem. Um jovem desencantado e sonhador achando que seria o salvador do mundo. Mal sabia eu que não dá para ser um Dom Quixote lutando contra moinhos de ventos. O movimento Punk estava nascendo na Inglaterra com os Ramones, The Clash e Sex Pistols. A passividade dos hippies sempre foi irritante. O samba sempre presente na minha vida. Os caras liam Nietzsche e eu tendo vontade de combater o sistema com pedras, coquetéis molotov, pichações e o escambau. Só fiquei na vontade. 
Comecei a ter alguns toques de realidade, mas ainda totalmente despreparado e iludido. Ainda bem que com o tempo você vai descobrindo as incoerências do dito mestre. Uma grande sacanagem. O Niltão, Tocá e o Ricardo não entravam muito nesse papel de revolucionário teórico. Me davam pitadas: Magrão, você não reparou na vestimenta desse mentiroso desse professor? Putz, é mesmo. Começou a cair a ficha. Captei vossa mensagem amados amigos. O cara usava só sapato de cromo alemão, calças de um fino linho e camisas de uma costura impecável. Que fdp. Catequizando os jovens alunos sem malicia e ele desfrutando a vida com caviar e bebendo taças de Champagne. 
Desisti de ser um babaca revolucionário. Muito oba oba. Melhor cantar um samba de Paulinho da Viola e jogar uma pelada a convite do amigo ator, João Signorelli, na chácara do outro ator Carlos Alberto Riccelli, casado com a belíssima Bruna Lombardi. Que esse professor vai pra pqp. Vamos jogar futebol e ver a linda e inteligente, Bruna Lombardi. Quem sabe faço um golaço. Vejam vocês.

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