Em 11 de dezembro de 1998, uma fábrica de fogos de artifício explodiu em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, matando 64 mulheres, dentre elas 20 crianças, e ferindo seis trabalhadoras, todas em situação de vulnerabilidade econômica e social e, na sua amplíssima maioria, negras. A fábrica operava irregularmente e, ao longo de mais de duas décadas, não foram tomadas medidas efetivas de responsabilização – nas áreas cível, trabalhista ou criminal – pelo Estado brasileiro.
No mês passado, foi publicada a sentença internacional que condenou o Brasil, dentre outras questões, pela falta de devida diligência à punição dos responsáveis por aquelas mortes no interior da Bahia. Essa foi a nona condenação brasileira no sistema interamericano de direitos humanos. Novamente, houve responsabilização internacional do nosso país por persecução penal ineficaz ou ineficiente, bem assim por não ter o Estado seguidos os parâmetros internacionais sobre proteção dos direitos das vítimas.
O Brasil, novamente, falhou no dever de assegurar a devida diligência em processos criminais, pois não investigou eficazmente os crimes pelos meios legais disponíveis no Estado, sem determinar a verdade e sem responsabilizar os autores intelectuais e materiais pelos fatos.
Para o sistema interamericano de direitos humanos, o reconhecimento do dever de punição dos responsáveis pelo cometimento de crimes é um standard de direitos humanos que reafirma a centralidade das vítimas na órbita das relações internacionais. Não se trata, à evidência, de punitivismo internacional, sequer de ingerência arbitrária de organismos internacionais no direito interno.
No Brasil, o desafio de adoção das devidas diligências e de responsabilização dos culpados é majorado pela discriminação estrutural, aquela inerente à ordem social, a suas estruturas e a seus mecanismos jurídicos, institucionalizada e que resulta em práticas, expondo os mais frágeis a maiores riscos e perigos.
No caso da fábrica de fogos, as vítimas foram, novamente, vulneradas pela realidade brasileira, marcada pela pobreza, pelas desigualdades regionais, restrição de acesso ao emprego e desrespeito à infância digna e sem trabalho, para as crianças mais pobres. Além dos fatores raciais e de gênero, a explosão da fábrica de fogos alterou o futuro de dezenas de famílias. A “perda de chances” das pessoas daquela comunidade foi potencializada pela ausência de respostas adequadas do Brasil por mais de duas décadas.
Punir as graves violações de direitos humanos, ainda mais as cometidas em cenário de discriminação estrutural, é um standard de direitos humanos, reconhecido pela jurisprudência da Corte Interamericana e que deve ser rigorosamente observado pelo Brasil. Afinal, não é justo nem aceitável que um dia dure mais de 20 anos.
 

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