Eu que pensei que era feliz, depois da primeira carta de amor que escrevi para minha primeira namorada

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 11/08/2019
Horário 07:00

Meu primeiro namoro começou nas férias de final de ano, na década de 70. Perguntei para mim mesmo: Será que vai ser apenas um namoro de verão? Os outros foram tão rápidos que nem considero namoro. Pare com esse medo e viva. Foi um sentimento à primeira vista. Linda, alegre, divertida, inteligente, assim era minha primeira namorada. Gostávamos dos mesmos gêneros musicais. Ela adorava James Taylor. Meu coração ainda sentia medo, era inseguro. Percebi que amar é para os corajosos, não é para iniciantes. Não vou ser um covarde frente a essa nova ilusão. Dezembro, janeiro, fevereiro, meses de alegria, de paixão, de mãos dadas, de olhos no céu, olhando a lua de rostos colados, ao som de "You've Got a Friend” e “Caroline in My Mind” na voz de James Taylor. Fim das férias, acabou o que era doce, tempo de voltar à cidade de pedra.

Dei um beijo e um abraço como se eu estivesse indo pra Guerra do Vietnã. Peguei o ônibus da Andorinha da meia-noite, acompanhado da minha tristeza poética. Alguns dias depois recebi a primeira carta da minha primeira namorada. Lia e relia quase todos os dias. As palavras de amor eram uma maneira de vencer a distância física. Escrevi também a minha primeira carta de amor para a minha primeira namorada. Falava da saudade, de um amor de sonhos de um rapaz de apenas 20 anos. Toda carta de amor é ridícula, se não for não é de amor. Chegou o feriado, mas caía num sábado. Dane-se, eu vou assim mesmo. Não tinha dinheiro para comprar passagens. Resolvi ir de trem. Vou arriscar a ir sem passagem, afinal amar é fazer loucuras. E lá fui eu para a Estação da Luz com um disco do James Taylor debaixo do braço para presenteá-la. Assisti alguns filmes que me ensinou a driblar essa dureza. Achava engraçada essa vida de estudante, sempre duro, mas rico em sonhos e ousadia.

Como tinha gente naquele dia, aquela estação era um mar de gente. Quando entrei no vagão, a mala estava cheia de desejos e fantasias. Viajei 18 horas com o disco do James Taylor debaixo do braço, fugindo do cobrador. Entrava no banheiro, ia para o último vagão, tudo para driblar a realidade. Ficava em pé vigiando o homem que picava as passagens. Não vou deixar ele picar meu lindo sonho. Que noite, não dormi nada. E assim cheguei em Prudente com uma felicidade maior que o infinito. Eram 8 horas da manhã. Já em casa, tomei um banho, beijei minha mãe, peguei a Kombi zero bala do meu pai e fui encontrar a minha primeira namorada. O coração batia mais forte que o surdo da Mangueira. Que sensação. Tinha deixado o disco do James Taylor em casa, queria que primeiro ela me visse.

Uma surpresa de cada vez. Parei a Kombi branca, buzinei, desci e fiquei à espera dela. Quando eu a vi, só queria abraçá-la e descansar meu coração tenso na palma da sua mão. Seu abraço não foi igual ao meu. Senti um frio na barriga, um medo apareceu. O que foi? Precisamos conversar. Aconteceu alguma coisa? Fiz algo que te chateou? Enchi ela de perguntas. Alguém vai sofrer e esse alguém seria eu. Ouvi dela que a distância é uma feroz inimiga, acabou, fiquei sem chão, mas meu orgulho falou mais alto, me despedi como um amigo e não mais como um namorado. Estranho, parecia que nunca fomos namorados. Procurei a prima dela e pedi gentilmente que entregasse o disco do James Taylor a ela, afinal não deixei os sentimentos mesquinhos tomarem conta do meu coração. No domingo, peguei uma carona de volta para a cidade de pedra, com um amigo na mesma situação que eu. Sempre quando lembramos dessa triste viagem, a gente ri da própria tragédia.

Cheguei na casa do meu Tio Nerinho, onde morava, contei para meu querido primo Marcelo. Puxa animal, que pena, disse ele, você estava tão empolgado. O que aconteceu? Animal vem comigo, sem perguntas. Peguei todas as cartas que lia quase todos os dias, fui até o quintal e queimei todas elas. Vi aquelas palavras de amor virarem cinzas, o vento levando para o céu escuro, sem a luz pálida lua e sem estrelas. Vendo aquela cena eu e meu primo fizemos um samba triste. Dias depois recebi uma carta dela dizendo que ficou surpresa com a minha partida repentina, agradeceu, adorou o disco do James Taylor, que queria conversar, se explicar, etc.. Mas eu já tinha feito um samba triste.  

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