Judiciário sob tiroteio

OPINIÃO - Gaudêncio Torquato

Data 29/01/2020
Horário 04:20

A arquitetura dos poderes no Brasil apresenta fissuras, comprometendo os princípios de autonomia, harmonia e independência, conforme reza a letra constitucional. Ora, é o Executivo, que costumeiramente invade a seara do Legislativo, por meio de uma grande quantidade de medidas provisórias, sem caráter de urgência, conforme elas exigem; ora é o Legislativo, que deixa imenso vácuo ao não aprovar legislação infraconstitucional para fechar os buracos abertos pela CF de 88.

E nesse vácuo entra o Judiciário, ao qual são submetidas questões de natureza constitucional não resolvidas por lei. Uma onda crítica bate nas portas da Suprema Corte, agora acusada de invadir a roça do Legislativo, dando vazão ao conceito de judiocracia, democracia plasmada sob o jugo dos aplicadores da lei.

A artilharia pesada que tem o STF (Supremo Tribunal Federal) como alvo deve-se, sobretudo, à suspeição sobre o comportamento de alguns ilustres componentes da Corte, identificados como soldados de causas partidárias ou simpatizantes de A, B ou C, figuras que os escolheram quando governavam o país.

Nunca se viu o poder dos juízes tão abalado por críticas. A constatação é grave. Afinal de contas, trata-se do poder mais identificado com a virtude da moral. Representa o altar mais elevado e nobre da verdade e da justiça. Acusações, mesmo isoladas, atingindo um ou outro de seus pares, acabam maculando a imagem da instituição.

É oportuno levantar a ideia, tão debatida, de rever os critérios de nomeação de ministros do Supremo e dos Tribunais de Justiça. Urge puxar das gavetas do Congresso projetos que versam sobre a matéria. É evidente que uma escolha, a partir do envolvimento de entidades sérias e poderes constituídos, terá caráter plural, ganhando maior legitimidade e respeito da sociedade.

O fato é que nenhuma autoridade, por mais alta, pode se escudar no manto sagrado do cargo.  O Judiciário é o mais respeitado dos poderes, seja pela identidade de seus integrantes,  seja pela nobreza de suas funções. É triste constatar que a figura do juiz em nosso país não se cerca mais daquela aura sagrada que tanto reverência impunha no passado. Em tempos idos, cultivava-se admiração por eles.

O juiz  ainda  tem  de  enfrentar  um  calvário  particular, a via crucis da crise no seu espaço profissional, determinada pelos dilemas impostos pelo caráter dual do Estado brasileiro.  De um lado, o Estado liberal, fincado nas bases do equilíbrio entre os poderes, no império do direito e das garantias individuais. De outro, o Estado assistencial, de caráter providencial, voltado para a expansão dos direitos sociais, ajustados e revigorados pela Constituição de 88.  Os resultados vão bater em sua mesa: enxurradas de demandas crescentes e repetitivas em questões de toda a ordem.

Chegou a hora da verdade para os Tribunais. O juiz deve ser, por excelência, o protótipo das virtudes.

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