Agora que não tenho Deus

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 27/09/2025
Horário 04:30

Agora que não tenho Deus, devido, em parte, às nossas conversas e a seus proveitosos conselhos, sinto, por outro lado, um certo vazio existencial que, via de regra, tenho procurado preencher com os estudos, as leituras e o mergulho na cultura universal, de modo a dar à vida, certo sentido, que antes, como pode imaginar, eu encontrava no seio da Igreja Católica e da filosofia cristã. 
O professor ouvira essas palavras com um misto de assombro e contentamento, afinal, parecia-lhe salutar o resultado de conversações, para ele, corriqueiras e cotidianas, acerca dessas inverdades que cercam a sociedade ocidental e que, sem pretensão de obter consequências maiores do que apenas a criticidade diante da realidade tangível de que a Igreja, seja qual for, gera mais engodo do que convicções e alentos existenciais aos perdidos nessa existência absurda. Apesar disso, achara temerário semelhantes arroubos juvenis diante da complexidade da insondável existência, que em realidade, escapa à compreensão de quem quer que seja, fazendo-o responder, depois de muitas e demoradas ponderações, o que se segue: 
Meu caro aprendiz, causa-me certa preocupação que assuma, assim, de forma tão radical, posição materialista tão convicta, sobretudo, se considerarmos a completa ausência de respostas completas e definitivas acerca do mundo que nos cerca, outrora, definidas por filósofo de notória densidade dialética, como uma realidade puramente espiritual, como ideia pura. Para além de disputas filosóficas acerca da melhor maneira de entender o mundo, fico aflito em ter que responder a Deus, se ele existir, acerca do desvio de uma alma, que até recentemente, parecia bem encaminhada na retidão cristã, ainda que com certos desvios, naturalmente conexos à liberdade nos dada pelo próprio criador. 
Eu, um desviador de almas? Como poderei me justificar perante à autoridade divina? O papel, que porventura, nessa fala, você, nobre aprendiz, atribui a mim, deve-se, penso eu, em minha defesa, ao contínuo e teleológico processo de desenvolvimento da razão, propalado, como sabes, por sábios filósofos cristãos, que associavam, Deus à Razão. Será que, nessa vereda, não descobriras, em realidade, que o Deus Razão seja uma coisa e a Igreja outra? Tenho por mim, em longuíssimas reflexões a que venho me dedicando, desde há muito, de que seja possível que Deus não adentre à Igreja, por razões óbvias, dada as incongruências entre a superioridade dos valores divinos, e as comezinhas manifestações das instituições cristãs, incompatíveis, até mesmo, com a própria palavra. 
Mas mestre, vejo contradições em cada uma das suas frases, distintas, como deves lembrar, de todas as nossas conversas anteriores. Não, Deus não existe, estou convicto, de que a existência é apenas uma manifestação da matéria, somos feitos de aglomerados bioquímicos, e quando morrermos não haverá mais nada para além do fim existencial! Respondeu o jovem com entusiasmo e arrogância, revelando o quão arraigadas eram suas nobilíssimas convicções. 
O professor ouvia e pensava, com Shakespeare, “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”. 
 

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