"Corpo a Corpo"

DignaIdade

COLUNA - DignaIdade

Data 01/06/2021
Horário 07:30

Já escrevi sobre esta novela neste espaço que contava sobre a influência do Diabo na evolução do personagem Eloá (Débora Duarte), mas um subtema desta produção também serviu forte perseguição da censura e rejeição popular. A jovem trabalhadora Sônia (Zezé Motta) se envolvia com o milionário Cláudio (Marcos Paulo) e se apaixonavam enfrentando a forte oposição do racista Alfredo Fraga Dantas (Hugo Carvana), pai do jovem, e da própria família de Sônia (representada pela mãe vivida por Ruth de Souza). Era o não tão distante ano de 1984 e o público conservador se chocou ao ver os beijos entre os dois atores em pleno horário nobre e Zezé Motta foi alvo de inúmeros ataques racistas numa era pré-internet, numa fase em que atores negros eram relegados a papéis subalternos, de empregados, escravos e mulatas sedutoras.                             

“A antiga censura e as telenovelas”

O período do governo militar no Brasil (entre o golpe de 1964 e reabertura democrática com novas eleições ainda indiretas em 1984) compreende um período histórico em que houve forte presença de uma censura federal que controlava as informações e as produções artísticas, com o suposto objetivo de coibir excessos e liberalidades, mas com a nítida intenção de silenciar opiniões contrárias, opositores políticos e notícias desinteressantes para a perpetuação do poder político militar. Assim como toda a imprensa, a produção dramatúrgica da televisão foi um alvo constante dos censores que avaliavam toda e qualquer produção artística para que não fossem ao ar mensagens subliminares, críticas veladas ao governo ou temas sociais considerados inapropriados. Tudo isto com a chancela de meia dúzia de censores escolhidos pelo governo e que detinham o poder Salomônico de decisão sobre o que podia ou não ir ao ar. Sob a chancela de supostamente zelar pela moral e bons costumes, picotavam textos e cenas pelos mais irrelevantes motivos, às vezes até patéticos. Duas novelas foram proibidas de serem levadas ao ar depois de terem muitos capítulos gravados: “Roque Santeiro” (está liberada após dez anos, com a reabertura democrática em 1985) e “Despedida de Casado” (esta porque abordava temas conjugais relacionados à Lei do Divórcio que ainda não tinha sido implantada). Contudo, grandes autores penaram nas mãos da censura que picotavam suas obras, impedindo temas, eliminando cenas com puros critérios de achismo e subjetividade. Em “Cavalo de Aço”, de 1973, o governo apoiou o tema de combate às drogas na novela e no meio da trama, resolveu mudar de ideia, porque acharam que a simples menção do assunto poderia incentivar o consumo, e o autor teve que inventar um famoso “quem matou Max” para terminar a história. Em “Selva de Pedra”, em 1972 o personagem Cristiano Vilhena foi impedido de casar com Fernanda, mesmo estando viúvo aos olhos dos personagens, porque o público sabia que a primeira esposa Simone não havia morrido em um acidente de carro, e poderia interpretar como bigamia. A novela “Duas Vidas” sofreu com o tema da construção do metrô e retirada de moradores das áreas das vias, pois estes não podiam mostrar descontentamento, pois seria uma crítica a uma obra governamental. A novela “Escrava Isaura” fazia enorme sucesso de público quando a censura resolveu implicar com a palavra escravo, que teve que ser retirada dos textos, e o autor substituiu pela palavra peça. Em “Fogo Sobre Terra”, desenvolvia-se uma discussão ideológica sobre as ações do progresso sobre uma vila que ia ser inundada por uma barragem, e a censura não estava gostando do tom heroico dado ao personagem Pedro Azulão, crítico da obra, que teve seu perfil atenuado. Muitos hoje olham as novelas com tons saudosistas, pois representavam um tempo de aparente tranquilidade, pois não enxergavam os fios das marionetes da censura.

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