Da cultura viva aos puntos de cultura

OPINIÃO - Helber Henrique Guedes

Data 06/09/2025
Horário 05:00

Estar longe de casa é também enfrentar as dificuldades de integração em outra cultura, com novos hábitos, outra língua e diferentes formas de viver. Esse é o desafio que tenho encarado em Buenos Aires. Se no Brasil a rotina era marcada por um cardápio conhecido, o arroz, feijão, bife, ovo frito, cuscuz, tapioca, carne de panela com batatas e as frutas do café da manhã, aqui sinto a ausência desses sabores que carregam afeto da minha identidade. A comida, que parece simples, acaba sendo um dos maiores símbolos da saudade.
Setembro, mês do meu aniversário, também marca o fechamento do primeiro ciclo desta experiência: 31 dias vivendo em uma cidade é vivida intensamente. Cada dia é um aprendizado: uma palavra nova, um costume diferente, um gesto que só a vivência mostra. Mas esse processo também tem suas dores. No Brasil, eu era alguém que falava em 90% das situações. Em Buenos Aires, a lógica se inverteu: passo a maior parte do tempo em silêncio, observando, tentando entender, e apenas uma pequena parte falando. Essa inversão de papéis é, por vezes, solitária.
Outra mudança marcante está na rotina de ir até a universidade. Se em Presidente Prudente bastavam cinco minutos para chegar à sala de aula, aqui já inclui ônibus, metrô e longas esperas em transportes sempre cheios. É cansativo, mas também um exercício de paciência e adaptação ao ritmo de uma grande metrópole.
Ao mesmo tempo, há uma riqueza enorme nos pontos positivos. Frequentar espaços como o Palacio Libertad me coloca em contato direto com a cultura argentina: músicas folclóricas, tango, apresentações artísticas da cultura portenha. São experiências que me motivam a continuar e me lembram da importância de estar aberto ao novo. Em breve, darei mais um passo: participarei de aulas de espanhol junto a argentinos, num formato diferente que havia feito no Brasil, que certamente aprofundará ainda mais esse processo de aprendizagem.
Este mês também será intenso academicamente. Apresentarei em Córdoba, no Encontro Internacional Humboldt, o trabalho que desenvolvo no Brasil: Democratizando a Cidade: diálogos e participação comunitária. Será meu primeiro trabalho em espanhol, uma conquista e um marco desta trajetória.
Minha vivência aqui também me faz refletir sobre o campo das políticas culturais. No Brasil, atuo em iniciativas ligadas aos Pontos de Cultura, parte do Programa Cultura Viva, criado em 2004 para fortalecer organizações comunitárias a partir da autonomia e do protagonismo social. Na Argentina, desde 2011, existe uma política semelhante, os Puntos de Cultura, que nasceram inspirados na experiência brasileira, mas ganharam características próprias. Ao frequentar espaços culturais portenhos, percebo como essas políticas se traduzem em práticas e aprendizagens vivas, que fazem da cultura um recurso para a inclusão e para a cidadania. Isso me mostra que, mesmo tendo no Brasil políticas pioneiras, ainda temos muito a aprender com a forma como outros países da América Latina fazem a cultura pulsar no espaço público.
Viver essa experiência é, sobretudo, aprender todos os dias. Entre dificuldades, silêncios, sabores que faltam e descobertas que chegam, sigo me fortalecendo. Cada desafio se transforma em aprendizado e cada aprendizado é uma lembrança de que o intercâmbio é mais do que um deslocamento geográfico: é uma viagem para dentro de si mesmo.

Referências Sugerida 
FUENTES FIRMANI, Emiliano. El programa Puntos de Cultura de la Secretaría de Cultura de la Nación (2011–2012): análisis, implementación y propuestas de mejoramiento. Buenos Aires: Secretaría de Cultura de la Nación, 2013.

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