O oeste paulista oeste paulista celebra hoje, 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, com 48.619 habitantes declarados como pretos no Censo Demográfico 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). Nesta, que é a quarta região mais negra do território paulista, com índice de pretos maior do que a grande São Paulo, tal raça se concentra “na periferia das periferias”, indica a professora e pesquisadora Edima de Souza Mattos.
Reconhecida por sua luta pela valorização do negro, com destacada militância no cenário estadual desde 1988, ano do centenário da abolição da escravidão no Brasil, Édima alcançou o sucesso e acumula um doutorado em Letras, pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), e pós-doutorado em uma das mais renomadas instituições de ensino superior do país: a USP (Universidade de São Paulo).
Aposentada da rede estadual de ensino e ainda ativa na rede particular, com mais de 30 anos de atuação na Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), onde hoje coordena o Nats (Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde), em uma linha de pesquisa com enfoque na saúde de vulneráveis e da população negra, destaca que o principal desafio dos pretos, atualmente, ainda é alcançar destaque no mercado de trabalho.
“Não há como falar dos desafios de hoje sem lembrarmos do passado, não tão remoto, dessa trajetória do negro na sociedade. Hoje, nós temos representatividade, principalmente no meio artístico, na TV, mas o negro teve uma história de escravidão, para a exploração do subemprego, submoradia, em um país com ideia capitalista, quer dizer, quem tem mais ganha mais”, recorda.
“E essa foi uma distância não só para o negro, mas qualquer outra população que viesse, de desafios muito grandes para chegar a ter uma ascensão social, econômica e educativa necessária para conviver como se deve, com todos os direitos”, complementa.
“Hoje, nós temos, graças à mídia, nem tanto os políticos ou à legislação, mas à mídia, que ajuda muito, voz, espaço para a população negra manifestar a nossa cultura, os nossos hábitos, os nossos valores. Mas, com tudo isso, nós percebemos em Presidente Prudente, na regional, em São Paulo, nas grandes indústrias, a ausência do negro no mercado de trabalho. Quando eu falo no mercado de trabalho, é o mercado de trabalho formal, representativo, que mostre onde está o negro em Presidente Prudente”, comenta.
Édima pontua que, embora essa parte artística, lúdica e intelectual do negro esteja sendo valorizada, atualmente, o mercado de trabalho ainda não projeta altos cargos para o preto. “Aqui em Presidente Prudente você não vê quase negro trabalhando entre as quatro avenidas, na área da saúde, nos shoppings. Você não encontra uma atendente ou enfermeira negra, ou mesmo na recepção. Existe ainda aquele preconceito velado. Embora nós tenhamos aí uma lei muito forte, toda a lei depende da conscientização”, frisa.
“Então, eu resumo que o desafio maior do negro está em galgar os postos ou altos postos do mercado de trabalho, na indústria, comércio, saúde... O mundo se debateu contra as cotas, que é um dos canais de ascensão, agora aceito pela grande maioria, mas ainda há subterfúgios para que esse negro compita de modo parcial com o branco. Então, infelizmente, vejo muitas reclamações do mercado de trabalho, que tem que abrir portas para o negro, quer dizer, proporcionar oportunidades”, indica a pesquisadora.
A conscientização do não-negro, com a responsabilidade social das pessoas que fazem fortuna no país, e a percepção de que lá atrás, há 150 anos, foi a mão de obra preta que desbravou o país, deve mostrar que essa população merece, não a oportunidade de benesses, mas a meritocracia, avalia Édima.
“É isso que está faltando, essa conscientização da meritocracia. O homem tem esse, de certo modo, lado ‘predador’, a ideia que o outro tem que estar sempre ao meu serviço. E, nesse momento, o negro está abaixo”, declara. “Eu posso falar porque, graças a Deus, eu subi pela educação, de menina pobre, negra, hoje eu sou pós-doutorada, então eu posso e acho que eu tenho obrigação de defender”, comenta.
“Ah, mas não tem negro capaz?”. “Há, sim. Eu sou testemunha de que nós temos vários e vários alunos de vários cursos. Isso só da Unoeste que eu estou falando. Mas, na hora da escolha entre o branco e o negro, lógico que escolhem o branco. Entre o branco e o coreano, japonês, ainda é a raça de maior densidade que é a branca”, revela.
Em um mundo capitalista, Édima ressalta que, para o negro, de suma importância, atualmente, é buscar a sua identidade e sentir-se pertencente. “A maioria dos negros não se sente pertencente à sociedade brasileira, a uma indústria brasileira, ao momento. A maioria já tem, parece, que tem um certo medo que foi embutido lá nos ancestrais, que tudo que era negro não tinha valor. Então, importante é a ascensão do ser humano”, ressalta.
“É sentir pertencente ao mundo em que ele vive, pertencente na sociedade, pertencente como ser humano. E quando você vê o indivíduo que se sente pertencente ao mundo em que vive, que convive, ele é mais feliz, mais produtivo, mais lutador e ele busca, sim, calcar a sua personalidade, a sua identidade, preservar o seu local. Então, a maioria, falo inclusive por mim, tem medo da cabeça de muitos preconceituosos, porque não adianta falar assim, eu não tenho preconceito, mas também eu não luto contra, entendeu?”, questiona a pesquisadora.
“Então, o negro tem que se sentir acolhido, um vencedor. Quando eu chego em um local que eu vejo uma médica negra, um professor negro, por exemplo, eu sei que eles estão representando milhares e milhares de crianças negras, que falam ‘eu também sou capaz’, ‘eu posso chegar lá’. Então, essa aceitabilidade da sociedade para com o negro em todos os ângulos, ela traz, sim, essa felicidade, inclusive, esse pertencimento do mundo, que é duro você não se sentir pertencente ao meio que você convive”, expõe Édima.
Para a pesquisadora, a capital do oeste paulista “continua, sim, uma cidade com muita gente racista”. “Muita gente fala, mas como é racismo? Aqui não tem caso de prisão, nada. Mas, é aquele racismo que a gente fala ‘camuflado’, racismo social, que você não demonstra.
E, Prudente é uma dessas cidades, onde é muito difícil abrir caminho, no mundo dos negócios, do trabalho, para o negro”, afirma a professora.
“E nós temos, sim, negros capazes. E, Prudente, graças a Deus, também tem uma classe negra consumidora. Só que ainda tímida e, mesmo o consumidor, ele ainda não vai nos shoppings, sente que pode ser mal atendido, quer dizer, também tem essa parte, a gente tem que trabalhar também a cabeça, a conscientização do próprio negro, da autovalorização desse ser humano”, conclui.