“Ouro de tolo”

“Ouro de tolo” foi um compacto do cantor e compósito, Raul Seixas, lançado em maio de 1973, pela gravadora Philips Records. Em 2009, foi escolhida pela revista “Rolling Stone Brasil”, a 16ª entre as 100 maiores músicas brasileiras. Uma composição muito significativa que impressiona pela forma inspiradora de uma realidade atemporal. Será que desde lá (1973), alguma coisa mudou? 
Diz a letra: “Eu devia estar contente, porque eu tenho um emprego, sou o dito cidadão respeitável e ganho 4 mil cruzeiros por mês. Eu devia agradecer ao Senhor, por ter tido sucesso na vida como artista, eu devia estar feliz, porque consegui comprar um Corcel 73. Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema, depois de ter passado fome por dois anos aqui na Cidade Maravilhosa. Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Eu devia estar contente, por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso, abestalhado que eu estou decepcionado. Porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto: e daí? Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aí parado. Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido o domingo pra ir com a família no Jardim Zoológico dar pipoca aos macacos. Ah! Mas que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco. É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota saber que é humano, ridículo, limitado, que só usa 10% de sua cabeça animal. E você ainda acredita que é doutor, padre ou policial, que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social. Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes esperando a morte chegar. Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador”. 
Qual seria realmente, o verdadeiro ouro ou pedra preciosa? Qual seria o nosso maior tesouro? Pesquisando, encontrei que, durante a Idade Média, os falsos alquimistas prometiam realmente transformar chumbo em ouro, quando a linguagem da alquimia era, na verdade, metafórica ou simbólica, referindo-se à transformação espiritual do homem de um estado “pesado”, o chumbo, para outro de elevação, o ouro. 
Assim transpondo para os próprios ideais e aspirações do autor na época, percebe-se que ele indica que o verdadeiro ouro estava no despertar da consciência individual, visando a construção de uma sociedade mais justa, democrática e harmônica. Logo, o disco voador ao final da letra seria uma referência a essa nova sociedade a ser construída. Penso também pelo vértice do sofrimento do homem, seu tédio, intolerância à frustração, enfim, uma dor oceânica, conforme Sigmund Freud escreve em “Mal-estar na civilização”. Ele toma emprestado esse conceito (oceânico) de um amigo Frances chamado Romain Rolland. Enfim, a música está aí para uma reflexão. Ela fala por si só. “A mente se enobrece quando aprende a sofrer” (Hamlet).  

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