Pensar contra si próprio

OPINIÃO - José Renato Nalini

Data 02/05/2023
Horário 04:30

Quando Jean-Paul Sartre iniciava seu curso de moral, na década de 40 do século passado, proferia: “O julgamento do fato trata sobre o que é; o julgamento do valor trata sobre o que deve ser”.
Lição válida para nós, que vivemos tempos de fake news, quando nos deixamos levar pela reiteração de mensagens falaciosas, impregnadas de ódio e embebidas nas teorias conspiratórias. 
Antes de veicularmos esses venenos, de que somos inoculados pelas redes sociais, devemos fazer aqueles testes primários e até ingênuos: isso é verdade, isso vai ajudar alguém, eu vou me sentir melhor levando essa mensagem a outras pessoas? O que eu ganho com a disseminação de ressentimento, ódio e malquerença?
Por isso é importante refletir na recomendação de Sartre de que sempre devemos pensar contra si próprio. Isso não é fácil, principalmente para uma espécie que tem na ponta da língua a resposta “com certeza”, mesmo que não saiba exatamente o que está a certificar. 
Mas ter a humildade de duvidar de suas convicções é lição de grande sabedoria. São poucos os que têm a coragem de reconhecer equívoco, erro ou leviandade ao formular os primeiros juízos. Voltar atrás é sintoma de superioridade moral. 
Isso ocorre bastante na função que todos exercemos, embora nem todos a adotem como profissão: julgar. Somos muito rápidos nos julgamentos precoces que fazemos, à luz de um indício qualquer, valorizando presunções e quase sempre nos apoiando na crença de que o ser humano é mau, viciado, corrompido e irrecuperável.
Reconhecer o caminho correto, embora já tenha anteriormente trilhado a vereda do equívoco, é algo que faz valorizar o espírito de quem não teme opor-se a si próprio, para então adotar a senda que se mostrou a mais adequada à espécie. 
Espíritos empedernidos invocam “coerência” para se manterem radicalmente convictos de suas opiniões, nem sempre alicerçadas sobre sólida base. Cobram dos demais essa teimosia, como se perseverar no erro fosse qualidade, não defeito grave. 
Na minha consciência simplória, prefiro lembrar Raul Seixas, que preferia ser metamorfose ambulante a nutrir aquelas velhas certezas sobre tudo, emboloradas e contaminadas de preconceito e de ignorância.

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