“É um suporte realizado não por fins farmacológicos, mas, principalmente, para ajuda emocional da mulher”

- GABRIEL BUOSI

Data 01/09/2018
Horário 04:00
Marcio Oliveira - Alline informa que já caminha para a casa dos 60 acompanhamentos de gestantes
Marcio Oliveira - Alline informa que já caminha para a casa dos 60 acompanhamentos de gestantes

O trabalho dela, diferente do que muitos podem pensar, não é o de fazer partos ou utilizar recursos técnicos para tais fins, mas o de promover a chegada dos bebês da melhor maneira possível com o acompanhamento ideal. Alline Largueza dos Reis Matricardi, doula e pedagoga, possui como papel principal a primeira profissão mencionada, a função de dar o suporte emocional às mamães, mas também aos casais, que optarem por ir na contramão do sistema de nascimentos, o da cirurgia, e escolhem o parto natural como o marco de uma nova vida. “É um suporte realizado não por fins farmacológicos, mas por bolas, bolsas de água, massagem e, principalmente, a ajuda emocional”, esclarece.

Aos 39 anos, Alline informa que já caminha para a casa dos 60 acompanhamentos de gestantes, em um trabalho que dura pouco mais de quatro anos e lembra que, desde a infância, seu jeito cuidadoso e sua figura materna para com as irmãs auxiliaram para que a vida, e Deus, encaminhassem e determinassem a atual profissão, que a faria se sentir realizada de forma que isso não fosse encarado propriamente como um trabalho.

Abaixo, é possível conferir os detalhes dessa função tão importante, mas tão pouco falada, que proporciona as mais diversas situações, como trabalhos de partos que duram 48 horas, noites em claro, capacitações para manter os estudos em dias e, principalmente, famílias que entram e marcam a vida da personalidade de hoje.

 

O Imparcial: Qual é a sua história e como foi sua infância?

Alline: Eu acredito que tive uma infância bem tranquila. Sou a mais velha de quatro filhas, então eu sempre fui a irmã que cuidou das outras três e muito sistemática, perfeccionista e cuidadosa. Na vida em família tinha esse perfil, de estar preocupada e cuidando sempre de todas. Nasci e cresci em Presidente Prudente e cresci com essa figura materna e esse cuidado de mãe, o que me ajuda muito hoje em dia no trabalho.

 

Como surgiu o trabalho de doula na sua vida?

Nunca imaginei que esse ramo relacionado ao parto pudesse fazer parte da minha vida como um trabalho. Na verdade, sempre gostei dos assuntos relacionados aos partos normais e humanizados e lembro que desde o começo da adolescência já lia muito sobre. Eu costumava dizer que o parto dos meus futuros filhos, da forma que eu queria, deveria ser fora do Brasil, pois não sabia que já tinha aqui no país esse tipo de acompanhamento.

Anos depois, em 2006, fui para São Paulo capital a trabalho como pedagoga, pois passei em um concurso estadual, e peguei uma vaga em uma escola lá. Foi a partir deste momento que conheci um universo que eu não conhecia ainda aqui no interior, como casas de encontros sobre o tema, clínicas especializadas e grupos de apoio.

 

Foi neste momento que seu contato, de fato, começou?

Na verdade foi no fim de 2011 quando descobri que estava grávida e encontrei nisso a oportunidade de mergulhar nesse mundo. Comecei a estudar ainda mais sobre, pois eu estava certa que queria o parto mais natural possível. Passei toda gestação frequentando grupos de apoio e foi nesse momento que descobri a verdadeira figura e função da doula.

Infelizmente as coisas não ocorreram como desejei, pois não tive um parto natural, nem uma doula, mas logo que meu filho fez seis meses [hoje ele tem seis anos], voltei para Prudente para morar e, mesmo aqui, continuei conectada nesse universo e me vi diante de uma situação em que minhas primas vinham perguntar sobre esse tema, e eu tinha muita informação para dar, e, por isso, passava tudo que eu podia.

 

Esse momento foi decisivo para sua escolha?

Sem dúvidas. Antes de meu filho completar um ano, uma das minhas primas, por ser mãe solteira, não tinha ninguém para acompanhá-la e foi quando e ela veio perguntar se eu poderia a acompanhar, e eu claramente me deixei à disposição. No dia do parto avisei a escola que não ia ao trabalho, eles foram sempre muito flexíveis, e fui acompanhá-la.

É engraçado que eu já era doula e não sabia. Pois a acompanhei em tudo e não tive medo em momento algum, pois fiz massagem, lembrei da respiração, vi a filha dela nascer e foi tudo muito lindo. Isso foi em 2013 e, na época, lembro que voltei para casa e não conseguia dormir, pois estava sentindo uma emoção e uma adrenalina enorme.

 

Após esta primeira experiência, como as coisas foram surgindo?

Comentei com diversas pessoas que queria fazer aquilo para a vida toda. Lembro que ainda acompanhei outra amiga durante seu parto e de repente as pessoas começaram a me procurar. Fui para São Paulo em seguida fazer um curso de doula e essa preparação não é uma especialidade técnica, nada em nível superior, mas uma preparação para você ter a capacidade de dar esse apoio emocional à mulher naquele momento. O curso, na verdade, se originou a por causa de uma moça que me procuro em 2014, pois ela queria o atendimento. De lá para cá já foram quatro anos.

 

É fácil conciliar a profissão de doula com a de pedagoga?

Quando eu fui chamada para trabalhar no colégio em que atuou, expliquei que tinha o trabalho de doula e expliquei que não tem hora para o nascimento. Desta forma, ficou combinado que para esse tipo de atendimento eu teria a liberdade de poder me ausentar, com o diálogo tudo se resolveu.  

 

E como é, de fato, o trabalho de uma doula?

É muito longo e completo. Ele começa na gestação ainda, sem um período específico, pois já atendi gestantes com oito semanas e outras próximas já do nascimento. Costumo dizer que quanto antes, melhor, pois teremos mais tempo para a preparação do parto. Metade do meu trabalho ocorre antes do nascimento, pois explico sobre tudo o que pode ocorrer no trabalho de parto, falamos de recursos que podemos usar para amenizar esse momento, do medo, da dor e esse trabalho de preparação é metade do caminho, pois quando o casal está tranquilo e sabe sobre o que vai passar, ele encara a situação com muito mais tranquilidade, o que faz toda a diferença.

 

E a outra metade do serviço?

No dia do parto penso que é o dia mais importante. Geralmente vou quando as dores começam a apertar, e acompanho a mulher no processo de trabalho de parto, não necessariamente no hospital, até o nascimento. Nos casos em que há uma equipe que atende em domicílio, eu também acompanho sem problema algum. Fico até a hora do nascimento, mas após também. Meu auxílio serve também com a amamentação e os primeiros contatos com o bebê. Fico quanto tempo for necessário e isso muitas vezes vai até a primeira mamada, que é muito importante para o processo de aleitamento.

 

Há situações em que esse acompanhamento se prolonga?

Em tese, no contrato, é um mês de acompanhamento após o nascimento, e isso conta com suporte emocional e uma ou duas visitas em domicílio para tratar de algumas situações emotivas, bem como cuidados básicos com o bebê, como banho em balde e amamentação. É um momento tão importante e mágico na vida deles, e na minha também, que acabamos criando um vínculo e os casais se tornam amigos e parte da minha vida, pois isso o contato se prolonga para sempre.

 

Qual a quantidade de partos que você já ajudou?

Sou meio relaxada com a parte de estatística [risos], mas outro dia tentei contar e vi que pelo menos 50 mulheres já passaram pela minha mão, estou indo para a casa dos 60 partos atendidos em quatro anos. No início era bem mais tranquilo, mas agora estou trabalhando bastante. Somente no mês passado já foram quatro mulheres.

 

Os acompanhamentos são sempre e apenas para partos normais?

Quando a mulher me procura ela quer um parto normal. Meu trabalho é voltado para isso, mas às vezes ocorre de precisar de uma cesariana, mesmo que não seja de desejo dela, mas isso não faz com que eu deixe de acompanhá-la. Tento tornar aquele ambiente o menos frio possível, então não necessariamente ela me contrataria para o acompanhamento de uma cesariana, mas se ocorrer e for preciso a intervenção cirúrgica, meu trabalho continua naquele momento.

 

Existe alguma história marcante ao longo dos atendimentos?

No início eu realizava atendimentos voluntários, por cerca de seis meses. e quando decidi que isso se tornaria um trabalho, encontrei uma situação incrível de uma gestante que era de Prudente, mas que morava na Itália e veio ao Brasil para ter o bebê. Ela passou por todo o trabalho de parto por 12 horas e, ao término, precisou descer para fazer uma cirurgia. Naquele momento acharam que o tempo estava limitado ao parto, por isso a decisão.

Eu fiquei muito triste, pois acreditava tanto nela, uma mulher tão forte, corajosa, sempre se exercitou, e eu fiquei do lado de fora com o coração bem apertado, dividida entre orações para que ela não precisasse da cirurgia e também para que tudo desse certo, pois essa não era a situação que ela queria. Ocorre que o centro cirúrgico estava lotado e ela teve que aguardar por 30 minutos, isso foi o suficiente para que a bebê nascesse. Quando eu soube, depois de um 40 minutos, fiquei muito feliz e chorei demais. Foi uma experiência incrível

 

Vocês ainda possuem contato?

Sim. Neste ano eu atendi o segundo parto natural dela, foi um parto domiciliar e vejo que nós criamos um vínculo muito forte, pois temos um carinho muito grande, tanto que atendi a segunda gestação dela.  

 

Qual é o lado positivo e que te motiva a continuar?

Nunca imaginei que eu pudesse ter um trabalho em que eu não sentisse que, de fato, estivesse trabalhando. Quando eu atuo como doula me sinto feliz e realizada e isso me move demais. Penso que é uma força interior, uma energia muito positiva que você vive e não quer mais parar. É um pacote completo, pois há os vínculos, as famílias e ver o nascimento é um momento muito incrível e poderoso. Depois que você vivencia é viciante.

 

E quais são os lados negativos?

Há alguns pontos negativos, mas o lado bom supera com toda certeza. Quando eu me comprometo a atender uma gestante, por exemplo, estou ciente que não tem hora para ocorrer o nascimento e isso pode ser no aniversário do meu filho, no casamento da minha irmã, ou até mesmo em um dia em que não estou muito bem. E como não há hora para acabar, acaba sendo um dos lados negativos. Há poucos dias eu atendi um parto que durou mais de 48 horas e foram dois dias de pouco sono. Na segunda noite eu passei em claro, pois ela estava com dores e não é um momento fácil, pois o desgaste físico é muito grande. Cheguei, inclusive, a procurar atividade física para poder ter força e resistência neste momento.

 

Quando você atende em equipe, são pessoas que você escolhe?

O casal é responsável por decidir tudo. Eu indico alguns profissionais que sei que tem uma boa prática, mas o casal é que dá a palavra final. Normalmente a equipe de parto domiciliar vem de São José do Rio Preto, pois não temos essa equipe aqui em Prudente. Eles fazem todo ao atendimento no trabalho de parto. O bebê só sai de casa se houver a necessidade.

 

Por fim, é uma profissão que exige estudos constantes?

Sem dúvidas, até porque você está trabalhando com vidas. Vou para São Paulo em um simpósio na semana que vem, é a quinta vez que vou, e essa formação não pode parar, deve ser contínua. O mais interessante de tudo é encontrar pessoas que possuem o mesmo objetivo e sonho que você, pois o Brasil é o campeão no número de cesarianas e isso é horrível.

Então, hoje, escolher ter um parto natural não é um caminho fácil para a mulher e para o casal, eles estão indo na contramão e vencer esse sistema é muito difícil. Então, nesses encontros, você conhece pessoas que estão na mesma luta que você, pois mesmo sendo um trabalho lindo, também é de luta e ativismo. Nestes momentos a gente aprende e também se fortalece.

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