A tarde de sol na nossa aldeia sagrada tem sempre um canto que dói de leve, uma nota grave que lembra o que se perdeu. E essa melodia tem um nome: Wilsinho Bodoquena. Um nome que evoca o sonho, a ilusão, a promessa de um gênio que a vida, com sua pressa cruel, não deixou florescer completamente.
Wilsinho nasceu com a bola amarrada ao pé. Um meia-esquerda clássico, canhoto habilidoso que parecia conversar com a redonda. Não era só jogar; era uma forma de arte. No campo da Prudentina, jogar contra ele era enfrentar a inevitabilidade de um drible sutil, de um passe que rasgava o gramado onde só ele via a passagem. Nosso amigo Thiago sempre traduz a saudade em uma única e justa frase: “Esse nasceu para jogar bola.”
E ele plantava sementes de ilusão, cada drible um adubo para o grande sonho: vestir a camisa do Santos, a camisa de Pelé, ser um Menino da Vila.
O momento mais feliz, o ápice dessa febre, ele nos contava com os olhos marejados de lembrança: o teste. "Magrão, quando o carro dobrou a esquina e eu vi a Vila Belmiro, minhas pernas tremiam." Ali, naquela grama sagrada, ao lado de futuros ícones como Pitta, Juari e Nilton Batata, Wilsinho brilhou. Ele passou. O sonho estava na palma da mão, pulsando, quente.
Mas o destino, às vezes, se veste de rigidez paterna e medo. Naquela época, ser jogador era um risco, um caminho incerto que muitos pais temiam. E o sonho de Wilsinho encontrou um muro na vontade do pai. No conflito mudo, ele não teve força para dizer o "Não" que salvaria sua vocação. O sonho foi esmagado, virando caco, mas a paixão teimava em respirar.
Ele continuou conosco, no nosso amado time amador do Mediterrane. Ali, dentro daquele retângulo verde, Wilsinho se sentia completo. Ele fazia miséria, o campo era o único lugar onde a tristeza do sonho despedaçado não o alcançava. Mas por baixo da alegria do drible, carregava a mágoa que se transformou numa sombra silenciosa, uma tristeza que o foi consumindo por dentro.
Então, veio o apito final. Um encerramento precoce, injusto e doloroso, vitimado por um câncer que calou sua magia cedo demais.
Hoje, quando a tarde cai e o silêncio da lembrança aperta, o que fica é a certeza agridoce: Wilsinho Bodoquena não foi apenas um amigo que se foi. Ele foi a metáfora viva do talento que não pôde ser, a poesia lírica de um meia-esquerda que trocou a glória pela obediência, e que agora só joga no campo infinito da nossa saudade.