1972

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 20/10/2022
Horário 06:08

A moda era colorida, com seus tecidos xadrez, florais e coloridos. O tecido era o tergal que não amassava. As calças "boca de sino" com os sapatos plataforma vestiam a juventude transviada. O mundo cantava a lírica música “Let's Stay Together” na voz magistral de Al Green. O Galaxie 500 era o carro para poucos e o mais querido e popular dos brasileiros, o Fusca ganha uma nova chave de seta de luz interna de cortesia. A cantora Maria Alcinda incendiava o festival no Maracanãzinho, com a música “Fio Maravilha”, de Jorge Ben. A TV a cores chegava ao Brasil e eu tinha apenas 20 anos de sonhos. 
O filme “O Poderoso Chefão” iria estrear nesse ano. Bobby Fischer iria se sagrar campeão mundial de xadrez. Venceria o russo Boris Vasilievich Spassky, num match disputadíssimo em Reykjavík na Islândia.  Considerado um confronto símbolo da Guerra Fria, o "Match do Século" que atraiu um interesse midiático maior que qualquer outra partida de xadrez já disputada. Bobby Fischer iria acabar com a hegemonia russa no xadrez sozinho. Era um gênio nesse jogo que é considerado a "tortura da mente".  
As Olimpíadas de Munique também iriam ser um palco da disputa dessas duas super potências. O time de basquete norte-americano era imbatível e os russos tinham uma missão impossível, teriam que quebrar a hegemonia dos norte-americanos no basquete. Carregavam o estigma de serem sempre vice-campeões.  Desde 1923 os americanos dominavam esse esporte. A Guerra Fria seria mais um meio de forte pressão para os russos. As Olimpíadas de Monique de 1972 seria o palco para mostrar qual regime seria o mais forte. Para deixar o ambiente mais tenso, o grupo terrorista palestino Setembro Negro sequestra atletas judeus que acaba num fim trágico para os israelenses. 
O técnico e ex-jogador de basquete, Vladimir Kondrashin, vivendo esse triste cenário, não poderia perder a concentração da sua dura missão e acreditou que poderia quebrar essa hegemonia americana. O lituano Modestas Joazapas Paulauskas, o meio armador Serguei Belov, Ivan Eseshko, Alzhan Zharmukhamedov, Mikail Sakandelidze, o jogador da Geórgia Zurab Sakandelidze e o gigante Aleksander Belov não imaginavam que iriam entrar para a história. Os russos vinham de quatro derrotas em finais para os norte-americanos. Vladimir Kondrashin acreditou nesses jovens talentosos jogadores e passou a treinar marcação por pressão que durava os 40 minutos de uma partida. Acreditava que o foco seria esse para vencer a imbatível seleção olímpica americana. Na marcação sobre pressão não há descanso para nenhum jogador e teria que ser dessa maneira. 
Kondrashin aliou a tática à qualidade técnica dos jovens jogadores. Um deles foi Aleksander Belov, um pivô ágil de 2m e de apenas 21 anos. O outro era o ala-armador de 1,90 m de apenas 22 anos, Sergei Belov (nenhum parentesco com Aleksander). Sergei se tornou um dos maiores jogadores da história do basquete jogando na NBA. Nessa memorável partida, fez 20 pontos. Chegou o dia da grande final e o time jovem de Kondrashin estava ciente que deveriam vencer o impossível. Faltando 27 segundos, os russos venciam por 49 a 48. O pivô americano Doug Collins sofre falta a apenas três segundos da final da partida. Converte os dois lances livres e os americanos passam a frente 50 a 49. 
O trauma de mais uma derrota passa pela mente dos russos. Apenas três segundos faltavam para terminar essa grande final. Os russos erram e o juiz brasileiro Roberto Righetto apita o final da partida. Os americanos comemoram. Enquanto os americanos comemoravam, o diretor da Fiba, Willians Jones, aceita a reclamação soviética: antes do fundo bola, Kondrashin havia pedido tempo, mas Righetto não ouviu. O cronômetro central retornou aos três segundos faltantes. Como virar o jogo em apenas três segundos? Era matar ou morrer? Era tentar o impossível? Os três segundos mais longos e emblemáticos da história do basquete. 
O russo Ivan Eseshko acredita no impossível e faz um lançamento do fundo da sua quadra até o garrafão americano. Lá o gigante Aleksander Belov sobe mais que dois jogadores americanos que caem no chão tamanho foi o impacto da força desse gigante e ele converte dois pontos para os russos que ganham por 51 a 50. Os americanos não se conformam com essa decisão e se negam a receber a medalha de prata que está até hoje guardada na sede do COI na Suíça. Os russos festejam muito. 
O juiz brasileiro se nega a assinar a súmula. O impossível aconteceu. Seis anos depois, o gigante russo Aleksander Belov morre de uma doença grave no coração. Os três segundos que abalaram o mundo ainda  permanecem vivo vencendo o tempo e o espaço. O tempo não conseguiu apagar as ilusões de quem acreditou que poderia vencer o impossível. Todos eles caminham vestidos de glória abraçados pela eternidade.

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