Das 20 unidades prisionais distribuídas no território da 10ª RA (Região Administrativa) do Estado de São Paulo, cinco estão com a população carcerária abaixo da capacidade, o que equivale a 25% do total. Tratam-se do CR (Centro de Ressocialização) de Presidente Prudente, CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) Doutor José Ismael Pedrosa, em Presidente Bernardes; e das penitenciárias de Lucélia e Zwinglio Ferreira e Maurício Henrique Guimarães Pereira, em Presidente Venceslau. As demais 15 unidades, que representam 75% do todo, estão superlotadas, conforme apontam os dados atualizados pela SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) no dia 30 de maio.
Cabe observar que, até o fim de abril, a Penitenciária de Lucélia era um dos presídios com número de detentos acima da quantidade máxima prevista. Entretanto, este cenário mudou após uma rebelião iniciada pelos presos na tarde do dia 26, quando três defensores públicos que visitavam o local foram mantidos reféns. O motim, que reivindicava melhores condições de vida dentro da unidade, foi encerrado no final da manhã seguinte. Na época, a Defensoria Pública informou que cerca de 30 homens ficaram feridos. Posteriormente, a SAP divulgou que alguns presos foram transferidos para a Penitenciária de Osvaldo Cruz, a fim de que houvesse uma adequação dos danos causados ao presídio.
Esta reforma, portanto, resultou em uma queda expressiva na população carcerária em Lucélia. Em uma atualização feita no dia 26 de abril, o site da secretaria informava que a penitenciária abrigava 1.816 presos para uma capacidade de 1.440, isto é, 376 homens a mais. A alteração no dia 30 de maio, por outro lado, aponta que o número de detentos baixou para 169, o que significa uma redução de 90,69%, ou seja, 1.271 pessoas a menos. Na área de progressão penitenciária, há 125, sendo que deveria comportar 110. Já a Penitenciária de Osvaldo Cruz, que recebeu um contingente dos detentos, abrigava 1.709 presos para uma capacidade de 844 e passou a acolher 1.959 – uma alta de 14,62%.
“Sistema não está preparado”
O advogado criminalista Matheus Sanches expõe que o alto número de presídios superlotados na região revela como o sistema carcerário “não está preparado” para lidar com esta demanda e, consequentemente, oferecer um tratamento digno aos presos. Como o número de funcionários é “insuficiente” para abarcar uma população acima da capacidade prevista, “o Estado perde gradualmente a capacidade de manter a ordem”, o que culmina em eventos de insubordinação, como as rebeliões. “Se o número de homens fosse condizente com a capacidade da estrutura, as chances de rebeliões seriam muito menores”, avalia. Além do aspecto humano, o profissional defende ainda a segurança dos detentos, considerando que o aumento vertiginoso demanda a sua pulverização de forma inadequada entre as unidades, o que, segundo Matheus, gera inúmeros problemas, a exemplo do crime organizado.
Para o especialista, torna-se necessária uma reformulação completa do sistema prisional desde o seu aspecto primário, com o objetivo de evitar, inclusive, a reincidência no cumprimento da pena, cujo caráter pedagógico e preventivo está, em sua opinião, cada vez mais “utópico”. “A própria taxa de reincidência mostra isso. O indivíduo vai para a cadeia porque comete um delito, cumpre a pena, é solto, mas retorna para o cárcere em curto prazo de tempo, pois o sistema não garantiu a ele meios de ser reintegrado em sociedade”, pondera. Matheus aponta que se o Estado criasse condições mínimas para o futuro egresso ter acesso a vários setores da sociedade, sobretudo o mercado de trabalho, possivelmente as estatísticas seriam muito menores.
Nesse sentido, o especialista acredita que o poder público deveria potencializar a educação e fomentar a disponibilização de empregos. Ele argumenta que, embora a Lei de Execução Penal determine que a unidade prisional deva fornecer diferentes atividades laborais para os presos, as que são executadas hoje “não mudam substancialmente” a vida deles a ponto de conseguirem um trabalho. “Se o mercado de trabalho já está difícil para a sociedade em geral, imagine para essas pessoas, que levam a carga de ex-detentas”, completa.
A Justiça é seletiva?
Matheus esclarece que, atualmente, os cidadãos em geral têm a sensação de que “quem devia ser preso, está solto e vice-versa”, sendo que, normalmente, os que chegam ao cárcere são as pessoas de baixa renda, o que passa a impressão de que a Justiça é seletiva. O advogado defende que a justiça criminal em si não o é, mas historicamente a penal foi criada para proteger determinadores setores da sociedade, como a burguesia, aristocracia e igreja. Segundo ele, com o passar do tempo, a própria concepção de crime teve muitos avanços e, hoje, já não é associada somente às condutas mais tradicionais, como roubos, furtos e homicídios, que, em tese, são mais comuns entre os mais desfavorecidos, mas aos crimes tributários, financeiros e contra a administração, que são aqueles que abarcam pessoas de alto escalão.
Entretanto, Matheus reconhece que o indivíduo que tem menos condições financeiras encontra “muito mais obstáculos” para garantir os seus direitos previstos pela lei, a começar pelo advogado. Enquanto pessoas em boa situação econômica podem contratar um profissional de sua confiança, pessoas mais pobres precisam recorrer à Defensoria Pública, que também sofre com a alta demanda e baixa oferta de funcionários. “Quem tem condições de contratar um advogado possui muito mais mecanismos para ampliar o rol argumentativo da defesa e fazer valer as garantias condicionais e legais que a lei oferece”, pontua.
População carcerária nas unidades prisionais da 10ª RA do Estado
Unidades Prisionais |
População |
Capacidade |
Excedente |
Penitenciária ASP Adriano Aparecido de Pieri de Dracena |
1801 |
844 |
957 |
Penitenciária de Flórida Paulista |
2075 |
844 |
1231 |
Penitenciária de Irapuru |
2083 |
844 |
1239 |
Penitenciária de Junqueirópolis |
2118 |
873 |
1245 |
Penitenciária de Lucélia |
169 |
1440 |
-1271 |
Penitenciária de Lucélia - Ala de Progressão Penitenciária |
125 |
110 |
15 |
Penitenciária João Augustinho Panucci de Marabá Paulista |
1985 |
844 |
1141 |
Penitenciária Tacyan Menezes de Lucena de Martinópolis |
2129 |
872 |
1257 |
Penitenciária de Osvaldo Cruz |
1959 |
844 |
1115 |
Penitenciária Ozias Lúcio dos Santos de Pacaembu |
2183 |
873 |
1310 |
Penitenciária de Pracinha |
1804 |
844 |
960 |
Penitenciária Sílvio Yoshihiko Hinohara de Presidente Bernardes |
2282 |
1247 |
1035 |
Penitenciária de Presidente Bernardes - Ala de Progressão Penitenciária |
183 |
204 |
-21 |
Penitenciária Wellington Rodrigo Segura de Presidente Prudente |
1209 |
696 |
513 |
Penitenciária de Presidente Prudente - Anexo de regime semiaberto |
554 |
247 |
307 |
Penitenciária Zwinglio Ferreira - Presidente Venceslau 1 |
726 |
781 |
-55 |
Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira - Presidente Venceslau 2 |
819 |
1280 |
-461 |
Penitenciária de Tupi Paulista |
1931 |
844 |
1087 |
Penitenciária Feminina de Tupi Paulista |
1000 |
718 |
282 |
Penitenciária Feminina de Tupi Paulista - Ala de Progressão Penitenciária |
142 |
72 |
70 |
Centro de Detenção Provisória Tácio Aparecido Santana de Caiuá |
1152 |
844 |
308 |
Centro de Progressão Penitenciária de Pacaembu |
1752 |
686 |
1066 |
Centro de Ressocialização de Presidente Prudente |
128 |
142 |
-14 |
Centro de Ressocialização de Presidente Prudente - Anexo semiaberto |
69 |
72 |
-3 |
Centro de Readaptação Penitenciária Dr. José Ismael Pedrosa de Presidente Bernardes - Masculino |
66 |
145 |
-79 |
Centro de Readaptação Penitenciária Dr. José Ismael Pedrosa de Presidente Bernardes - Feminino |
1 |
40 |
-39 |
Total |
30445 |
17250 |
13195 |
Fonte: SAP