A doce rotina

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 02/08/2020
Horário 06:34

Domingo de sol na nossa aldeia sagrada. Uma coisa boa que acabei fazendo nessa insuportável quarentena foi voltar a praticar exercícios físicos. Minha fiel companheira é a minha cachorra Amora. São exatamente 10h30 e Amora já está de marcação serrada em mim. Impressionante como ela percebe pelas minhas atitudes rotineiras que vou levá-la para a caminhada. 
Depois que eu tomo o café da manhã, ela já sobe a escada, pula na cama e começa a latir abanando o rabo, esperando eu me trocar. Coloco o short, calço o tênis, com ela me olhando fixamente, impacientemente, como se estivesse me dizendo: Para de enrolar e vamos logo. Coloco a coleira e Amora fica deitada perto da porta, esperando o meu sinal. Abro a porta, faço uma cera, e só depois que estalo o dedo ela vem toda alegre ficando ao meu lado. 
O seu Geraldo adestrador que a ensinou. Encosto o carro em frente ao Hotel Muchiutt, do amigo Walter. Desço a avenida até entrar na Rua Bongiovani. Vou até o fim do calçadão da Apec. Desço a Avenida da Saudade correndo. Chego ao Parque do Povo com o coração pedindo socorro. Passo em frente à quadra poliesportiva e vejo meninas deslizando a beleza na quadra, sob as rodas dos patins, despertando fantasias nos motoboys que estão sentados na arquibancada de cimento. A sensualidade delas aliviam, por um breve momento, a dura rotina de seus trabalhos. 
Uma mulher passa por mim mais cheirosa que jaleco de barbeiro. Que perfume era aquele? Chego em casa quase na hora do almoço. Mulher Maravilha pede para buscar a comida. Que maridão que sou, né. Vou até a Padaria Massa Pura no Parque do Povo. Lá está a amiga Célia. Batemos um papo e a Célia me conta como que está sendo enfrentar essa pandemia. Conseguiu por enquanto não despedir ninguém. Que bacana. Célia me sugere levar carne e bacalhau. Acertou em cheio. Aproveito e compro um bolo de laranja com coco e uma dúzia de bananas. 
Encontro o amigo Zé Carlos, gente boa. Trabalhou como fiscal estadual até se aposentar. Despeço da Célia, das funcionárias e do Zé. Chego em casa e a mesa está pronta. Só eu e Mulher Maravilha, que me mostra um vídeo da neta Isabel e damos gostosas risadas como dois avós babões. Mulher Maravilha me pergunta: Não comprou nenhum suco? Ontem o Dr. Jailton passou em casa e sempre nós vamos tomar uma garapa na estrada que vai para Machado. Tem uma barraca que faz um suco de garapa sensacional. Dr. Jailton que descobre essas delícias. Peço sempre garapa com abacaxi e o Jailton gosta de garapa com gengibre. Voltemos à pergunta da Mulher Maravilha. Abro a geladeira. Tiro um litro de garapa com abacaxi que trouxe do dia anterior e surpreendo a Mulher Maravilha. Ela sorri. Que maridaço, hein. Almoçamos a comida deliciosa da Padaria Massa Pura, saboreando um delicioso suco de garapa com abacaxi bem geladinho. 
Passa mais algum tempo, o Alemão me liga: E aí Magrão, gostei demais da crônica da Proposta Indecente. Que bom. Alemão eu acabei de ler o livro do Eça de Queiroz, “O Crime do Padre Amaro”, que ele escreveu em 1875. Ah, o escritor português? Sim. O cara em 1875 denuncia a corrupção dos padres, que manipulam a população em favor da elite e a parada toda do celibato clerical. Ele não alisa em nada. Dá uma visão realista e zero de romantismo. Rapaz o português bateu pesado, retratou a realidade de forma muito objetiva. Ah Magrão, você quer saber de uma verdade? O que? Não mudou nada. As desigualdades continuam, a manipulação da fé permanece, as instituições que servem de base para a sociedade burguesa estão cada vez mais vivas e a hipocrisia continua reinando. Tenho que concordar com o Alemão.
Mas voltemos a doce rotina. Você não sabe da gelada que eu me meti. O que aconteceu? Para arrumar matéria para as crônicas que escrevo, resolvi procurar algum assunto nesses sites de relacionamento. Cê tá loco Magrão. Por quê? E a Mulher Maravilha vai entender essa parada? Calma, deixa eu te relatar essa gelada. 
Nunca tinha entrado nesse mundo e inocentemente disse toda a verdade, nada mais que a verdade quando preenchi o meu perfil. Não vai me dizer que colocaste a sua real idade de 67 anos? Coloquei e aí que começou a gelada. Mas que inocência Magrão. Ué eu não estou atrás de mulher, estava buscando algum enredo para a crônica. Enredo? Esses sites não servem para isso, servem para quem quer companhia. Eu sei disso, mas essa quarentena me deixou sem inspiração. E aí? Alemão nunca vi um negócio tão rápido. As pessoas só ficam sozinhas se quiserem. Esse negócio funciona mesmo. E aí? Conseguiu o enredo que você queria? Vou lhe dizer uma coisa, se eu tivesse atrás de relacionamentos estaria vivendo o tão sonhado amor livre. Por quê? Oh, Alemão choveu propostas. Ah é. E aí? Nada demais. A primeira interessada foi a Joelma. Tem 70 anos, cinco filhos, sete netos, quatro bisnetos e me convidou para o Baile da Melhor Idade na cidade de Bataguaçu. Me disse que adora dançar. Vamos nessa Alemão, me ajude aí. Vejam vocês.
 

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