Talvez você prefira acreditar que cada um de nós traga inata uma certa capacidade de aprender. Isto também é verdade, mas não é toda a verdade. Acredito que as experiências teatrais possam ser um caminho para o desenvolvimento dessa capacidade. Lembro do início do ensino médio, em 1978, quando organizamos um grupo interessado em estudar as experiências teatrais de São Paulo. Naquela ocasião foi feita uma pesquisa e uma avaliação do que acontecia no movimento teatral na cidade e, à guisa de ilustração, levamos à cena trechos das peças teatrais como um trabalho que pudesse ser apresentado dentro e fora dos limites da escola. No ano de 1979 procuramos levar adiante a nossa embrionária experiência teatral. Coletivamente, passamos a discutir como encaminharíamos o trabalho. Durante quase dois meses o grupo pesquisou textos, selecionou obras e autores em torno da idéia central de se levar a cena trechos das obras mais significativas da dramaturgia brasileira até chegarmos na peça “Rei Momo”, de autoria de César Vieira.
Texto premiado e apresentado durante seis anos na periferia de São Paulo pelo Teatro União e Olho Vivo, “Rei Momo” é uma versão bem humorada da história do nosso país. Num baile de gala carnavalesco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Rei Momo renuncia ao seu reinado porque deseja ser Papai Noel. A partir dessa renúncia organiza-se uma eleição para o novo Rei Momo e Escolas de Samba se apresentam no baile indicando personagens históricos como candidatos a ocuparam o trono vago. Nos conflitos da disputa pela posse dessa coroa se desenvolve a trama do espetáculo.
Esse texto de César Vieira nos permitiu uma montagem grande, com cerca de 50 personagens. Não foi uma tarefa fácil porque era uma ópera-samba, exigindo dos atores habilidades de dança e canto, além de músicos e batuqueiros de samba. Depois de quatro apresentações na escola, Rei Momo seguiu para as periferias de São Paulo: salões paroquiais, barracões em favelas, praças públicas. Alguns anos depois, tive interesse em estudar um pouquinho a construção da personagem de Stanislavski e as metodologias do “teatro e seu duplo” de Artaud ou a “busca do teatro pobre” de Grotowski. Quase fui fazer artes dramáticas!
Todas essas cenas me vieram a mente no último final de semana, quando tive a satisfação de assistir a adaptação do “Pagador de Promessas” de Dias Gomes pela meninada da Escola Moara de Brasília e o trabalho da Fábrica de Óperas do Instituto de Artes da Unesp. O teatro deixa aquela chama viva da juventude, que transgride as convenções e rompe com este marasmo.