A guerra de narrativas

OPINIÃO - Gaudêncio Torquato

Data 09/09/2020
Horário 04:56

A liberdade é o oxigênio da democracia. Sem ela, as nações são jogadas nos braços das ditaduras e da opressão. Mas os cidadãos desconfiam quando o conceito é usado de má fé ou com o propósito de mascarar posicionamentos. Veja-se o que o governo tem dito sobre a vacina contra a Covid 19, cujo processo de finalização mobiliza equipes científicas e laboratórios em muitos países, e a previsível adesão em massa dos brasileiros.
Porta-vozes salientam que ela não será obrigatória porque no Brasil não há um tirano e a liberdade é valor central de nossa democracia. A observação seria pertinente caso não fosse embalada por um viés anticientífico, desses, por exemplo, usados por adeptos de certas religiões, que não permitem crianças com leucemia aguda ou mesmo pessoas idosas, com pneumonia grave, tomarem transfusão de sangue. Orientam seus filiados a não adotar procedimentos da ciência.
Por que a publicidade exagerada que o governo está dando a esse fato, quando se sabe que mais de 90% da população brasileira garante que tomarão a vacina? Lembremos que, mesmo antes da pandemia, já tomava corpo no país um movimento antivacina, que tem propiciado a volta de epidemias de doenças já erradicadas, como febre amarela e sarampo. Propaga-se um falso temor de que vacina pode provocar a doença em vez de curar. Por aqui, viceja nas hostes governamentais uma corrente anticiência, de índole fortemente conservadora que, como num cabo de guerra, tenta puxar o território ao passado.
É exatamente na direção oposta aos avanços da medicina e da biotecnologia que grupos incrustrados na malha governamental constroem sua narrativa, como se observa na categórica afirmação de que a cura da pandemia é coisa simples, bastando a automedicação de cloroquina. O fato é que o Brasil vive o auge de uma guerra de narrativas. Do campo da ciência, os jogos contrários resvalam para os comportamentos, para a economia e para a política.
Na arena das decisões que competem aos governantes de Estados e municípios, estão narrativas conflitantes, entre elas, a que prega a retomada urgente das atividades negociais e a que teme o repique da doença por conta das aglomerações. Um grupo defende a reabertura das escolas e outro sugere cautela na volta das aulas. Autoridades da Educação opinam sobre a matéria e o que se ouve mais parece um falatório na Torre de Babel. Por que não se chega a um consenso? Onde se escondeu o bom senso?
Na área da economia, as narrativas conflituosas nascem no próprio seio do governo. Uma defende o programa Renda Brasil, a consolidação das ações de proteção social, mas o desacordo é oceânico entre a equipe econômica e outros times ministeriais, que combatem o teto de gastos, meta-síntese do ministro Paulo Guedes. 
O presidente, embalado no apoio popular que passa a ter no Nordeste, queria continuar com um auxílio emergencial de R$ 600 até o fim de ano. Chegou-se ao meio termo de R$ 300. Mas se a economia não pegar no tranco em 2021, como as margens protegidas reagirão a eventual diminuição de seus recursos?
A guerra no território da expressão deixa atônitos seus próprios protagonistas. Por falta de uma orientação segura sobre os rumos a seguir, batem boca pela imprensa ou em lives, a nova mania nacional. Resta dizer que o próprio mandatário-mor tem sido responsável por parcela dos litígios.
 

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