A memória respira no Restaurante H2

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 25/07/2025
Horário 06:00

Sexta-feira. A palavra, por si só, já trazia um sabor de reencontro, um prelúdio de risadas e o eco distante dos brindes. E por décadas, esse prelúdio se concretizava no H2, o restaurante do amigo Celso, o Bolinha. Não era um lugar qualquer; era o nosso refúgio, nosso lar, um ritual semanal que marcava o fim de uma jornada e o início de uma comunhão.
Na mesma mesa de sempre, sob a luz complacente que iluminava nossos rostos cheios de ilusões. Repetíamos a mesma pedida, um mantra de sabores que o Cris, nosso garçom de alma e de décadas, conhecia de cor. Ele sabia do gosto de cada um, daquele toque especial que transformava a refeição em celebração. E a memória, ah, essa ainda respira, vívida e teimosa.
O H2 era mais que um restaurante. Era um clube de sobreviventes sonhadores, onde os causos se entrelaçavam com piadas, os embates políticos acaloravam o ambiente e as discussões sobre futebol rendiam apostas impagáveis. Ali, a vida acontecia em sua plenitude, sem filtros, sem pressa. As paredes, se pudessem falar, contariam histórias de amizades forjadas no tempo, de alegrias compartilhadas e de tristezas amenizadas pela presença amiga.
Lembro-me do querido amigo, Nelito (in memoriam), com suas fantasias encantadoras, um personagem que, com sua alegria contagiante, deixou um vazio que nenhuma franquia pode preencher. Ele era a personificação da leveza, da capacidade de rir de si mesmo e de fazer o mundo à sua volta vibrar.
Mas, como tudo tem um fim, é preciso reconhecer: foi muito engraçado enquanto durou. As sextas-feiras no H2 tinham um charme único, uma magia que se esvaiu com o tempo e a modernidade. Hoje, tudo se transformou em franquias sem alma, onde a padronização rouba a singularidade, onde a história se dilui no anonimato. Os jovens, com seus fones de ouvido, e com seus olhos pregados nos celulares, parecem surdos a essa história que pulsou e ainda pulsa em nossas memórias. Eles não sabem o que é sentir o abraço de um lugar que se tornou extensão da nossa própria existência.
O H2, para nós, não era apenas um ponto no mapa; era um ponto no tempo, um elo inquebrável com uma era de autenticidade, de risadas altas e de laços que o tempo não conseguiu desfazer. E, enquanto a memória respirar, o H2 continuará vivo em cada um de nós. Nada será como antes, uma frase poética, que nos convida a melancolia, por outro lado nos força a guardar nossas memórias como tesouros. A vida não é como “O Retrato de Dorian Gray”, obra do escritor Oscar White. A vida será sempre uma sucessão de fins e recomeços.
"Eu já estou com o pé nessa estrada
Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes amanhã
Que notícias me dão dos amigos?
Que notícias me dão de você?
Alvoroço em meu coração
Amanhã ou depois de amanhã
Resistindo na boca da noite um gosto de sol"...
 

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