A minha alucinação é suportar o dia a dia... E meu delírio é a experiência com coisas reais... Belchior

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 15/05/2022
Horário 06:30

Um velho senhor vai subindo a rua com seus passos cansados. O sol forte sob os seus cabelos brancos vai derretendo seus raros sonhos e, ele, com um som agudo de uma corneta, vai anunciando com um carrinho quase amarelo de sorvete: Olha o sorvete de limão por apenas um real. Sua voz é fraca, mas o som da corneta é forte. 
No centro da cidade, uma velha senhora ambulante corre lentamente desesperada fugindo com seu carrinho de castanhas e nozes do fiscal que grita: Para, estou cumprindo a lei. Uma cigana pede para ler as mãos dos que passam na sua frente: Não quer saber do seu futuro? O padre reza na missa das 10h e um mendigo na porta da igreja pede esmolas em nome de Deus. Um funcionário da empresa de energia avisa a pobre mulher, desempregada, que está cortando a luz. Um casal perdeu sua casa num leilão, o vendedor desesperado para vender, o gerente que foi despedido e o empresário indo até o cartório apressado e tenso para pagar uma duplicata vencida. 
O prefeito no ar condicionado olhando sua foto pregada num quadro na parede, a vaidade é o pecado que o diabo mais gosta. Um adolescente vendo filmes eróticos no computador. A mulher casada no motel saboreando a infidelidade. O menino fumando maconha na escola escondido no banheiro e o outro sofrendo bullying. Um treinador de futebol das categorias de base se excitando vendo seus jovens jogadores tomarem banho. Um homem casado marcando encontro em sites de relacionamento e não coloca a verdade no seu perfil. 
Um velho milionário casando com uma menina que tem a idade para ser sua neta, não está procurando amor e sim a juventude engolida pelo tempo e que nunca mais vai encontrar, são apenas sopros de ilusão. Um carro fúnebre desce a avenida levando a morte como sua honorável passageira. A sirene do Resgate grita para passar num trânsito caótico, uma vida corre perigo e querem chegar antes da morte. Duas adolescentes com tatuagens e cabelos de várias cores, calças rasgadas de cores pretas, piercing nos lábios, passam de mãos dadas afrontando as mentes e corações intolerantes. 
A violência doméstica é comum na vida de Aparecida. Uma mulher sozinha sentindo a solidão das grandes cidades, um corpo que cai atropelado por um motorista bêbado, um agiota seduzindo a viúva no velório do marido devedor que morreu repentinamente, deixando sua casa em garantia. O bate papo, descontraído dos amigos veteranos da bola, colocando notas alegres nessa partitura da vida. O passado sempre presente, lá ficou a melhor parte de suas vidas. Um músico de rua toca uma canção triste e uma mulher para por um momento, seu olhar é de desilusão. 
Os bancos lotados de endividados. Não há anúncio oferecendo empregos nos classificados dos jornais. A vida vai mostrando sua rotina, a alucinação do dia a dia é um quadro sem cores pintada pela mão calejada e cruel da realidade. Tudo pode ser secreto, misterioso, maravilhoso, triste, alegre, justo ou injusto? Tudo é relativo, tudo é vida, tudo é uma grande ilusão.

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