A nação do riso

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 11/12/2022
Horário 04:30

Mal o Brasil havia tombado diante da Croácia, fomos bombardeados por todos os tipos de humor. Sátiras como as de Adnet imitando o Galvão Bueno são imperdíveis. Mas também os incontáveis pequenos vídeos que passaram a circular minutos depois da disputa por pênaltis, destilando ironia e beirando até mesmo ao sarcasmo. 
Procurem pelos videozinhos que brincam, mordazmente, com a já famosa “dança do pombo”, originalmente uma música de MC Faísca e os Perseguidores, que se transformou na marca registrada do jogador Richarlison. Especialmente, há um vídeo que o humor chega a ser cruel com aqueles que ainda estavam enxugando as lágrimas pela eliminação do Brasil. Trata-se de uma montagem de vídeo com Tite e os jogadores brasileiros fazendo a “dancinha do pombo” enquanto o meia-atacante croata Lovro Majer os alimenta com grãos de milho.
Por que somos assim eu não sei, mas reconheço aí a nossa arte de subverter o mundo pelo divino poder da alegria, como dizia o samba-enredo de 2020 da Dragões da Real. “Solte a voz e vamos rir de nós. Poder brincar, sonhar, todos juntos desatar os nós. A festa nunca tem hora para acabar”. Não me refiro aqui ao riso grotesco no qual tudo precisa ter “graça” (as milhares de mortes da pandemia, as catástrofes, etc.), o que é de natureza segregadora e excludente, esse riso inscrito na lógica simbólica do ódio que anda circulando por aí.  Mas eu me refiro às cenas cômicas que distendem, desarmam e unem. E o direito ao riso, à fina percepção da ironia e da crítica. 
Salve Stanislaw Ponte Preta e toda a turma do velho “Pasquim”. Salve também  Cornélio Pires, pioneiro que, em 1929, já ostentava uma série inteira gravada com suas anedotas e crônicas, baseada na fala caipira. E seus predecessores da geração do Capitão Furtado, Nho Totico (Vital Fernandes da Silva)  Adoniram Barbosa e tantos outros analisados no maravilhoso livro do professor Elias Thomé Saliba (“Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira”). Ex-escravos, caipiras, imigrantes de origens variadas e suas misturas linguísticas com seus trocadilhos e jogos de palavras populares perfeitamente adaptáveis à música e aos ritmos rápidos da dança. 
Se “o humor não é um estado de espírito, mas uma visão de mundo”, como nos ensina Elias Saliba, eu fico com a nação do samba, do suor e da cerveja. É que o samba pedi passagem. Nunca é demais repetir: “Solte a voz e vamos rir de nós. Poder brincar, sonhar. Todos juntos desatar os nós. A festa não tem hora para acabar.” (Samba-enredo 2020 da Dragões Real). 
 

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