Não sei se essa semana eu antecipei o exercício da crônica pela necessidade de completar a tarefa antes de uma viagem a São Paulo ou porque escrever se torna mesmo um vício. Trabalhei em casa o dia inteiro. A esperada chuva marcou presença... e foi embora como de costume. Manchetes de jornais abandonados. Tudo ao mesmo tempo, sempre. Reluto para me manter na crônica, mas os pingos da chuva se transformam em um canto lírico que invade a minha mente. E da crônica desabrocha um verso: quando.
Quando
da primavera surge o inverno
da chuva, o vento
Quando
do seu canto surge o grito
do espelho, o espinho
Quando
da esperança surge o medo
da vida, o luto
Quando
da paz surge a busca sem fim
da sombra, o guia
Recolho a dor profunda
Rabisco os pergaminhos
Contemplo o frio silêncio do seu sorriso
Leio e releio o poema. Desaparece o canto e emerge a consciência de escrever sobre assuntos mais adequados para o jornal, alimentados por fatos da atualidade que possam despertar o interesse do público. Isso não quer dizer que a razão e a sensibilidade sejam incompatíveis e me faz lembrar do monge budista Genshô. Segundo ele, é preciso “pensar além do pensar e do não pensar”, quando se alcança o “zazen” - estado de consciência do som do mar, do vento nas árvores, dos pássaros, das pessoas sentadas ao seu redor. Mas um estado de consciência sem julgamentos e atribuição de valores. Então, eu concluo: narrativa sem consciência poética não mantém vivo o interesse pela leitura... Ora, bolas! Há poemas em forma de crônicas... por que não? E cronistas que despertam a consciência poética, como o grande mestre Drummond. Enfim, a dimensão criativa nunca fica ao lado, nem em cima, nunca embaixo. Entre. Eu poesia, você prosa.