As crianças, assim como um caleidoscópio, em seu vasto universo em direção ao seu desenvolvimento, vêm causando surpresas e até mesmo um certo espanto. Nossos consultórios estão sendo muito ocupados por elas, em decorrência de uma invasão tecnológica, incertezas e dúvidas dos pais, demandas incessantes dos filhos, mimetismo e intolerância à frustração. Pais ansiosos, filhos ansiosos. Pais deprimidos, filhos deprimidos. Pais permissivos, filhos intolerantes à menor frustração.
Crianças com incapacidade para simbolização com certeza sofrerão severos desajustes em seu desenvolvimento mental ou psíquico. Fato esse que interferirá em uma gama de outros fatores biopsicossociais. A contemporaneidade regurgita, constantemente, pais também, com incapacidade para simbolização. Constatamos que é transgeracional.
Contarei um exemplo, para facilitar essa compreensão relativa à simbolização, algo tão fundamental e complexo para a evolução da criança. Há pais que desejam que seu filho seja jogador de bola. Então, o leva para fazer futebol em uma escola apropriada. Muitas vezes, esse desejo é do pai somente e não do próprio filho. O pai o leva e fica acompanhando o jogo do filho, esperando que o treinador o convoque para jogar todo o tempo. O treinador não o convoca e, sem dúvidas, sabe exatamente a dinâmica de cada criança. O pai não realizando o seu desejo, quase que obriga o treinador a colocar o filho. E bravo, dirige-se ao treinador, indagando se não irá colocar o filho. E o treinador diz que não. Passa o primeiro tempo, passa o segundo e faltando 15 minutos para terminar o jogo, o pai se levanta e vai novamente, irado, “mandar” o treinador colocar o filho. E o treinador diz que não. E o pai tira a criança da escolinha e o coloca em outra, outra e outra.
É extremamente importante que a criança possa aprender com as experiências emocionais. Precisamos diante de ausências e faltas, dar um sentido e significado, isso é simbolização. Os pais devem acompanhar os seus filhos de forma madura em seus inerentes e constantes desafios a que são submetidos. E motivá-los diante de frustrações, encorajando-os a seguir em frente, em direção às conquistas.
A des-ilusão, fruto de um desejo não realizado, requer um tempo para a decantação. Não tentem suprir as lacunas, com a finalidade de evitar o sofrimento, de forma rápida, instantânea e mecânica. A ferida leva um tempo para cicatrizar. Na psicanálise de criança, tem a hora do jogo, que é um útil instrumento de investigação e exploração da mente em formação. Mas é preciso um setting adequado, um marco para o trabalho sigiloso numa relação de intimidade e confiança com um profissional que seja psicanalista e com formação específica em bebês, criança e adolescentes. Os primeiros anos de vida são fundamentais para construir os alicerces da personalidade humana.