Depois de um almoço que, na minha cabeça, teve a Mulher Maravilha como convidada de honra – sim, a imaginação fértil é um tempero à parte –, e sob os olhares famintos da Amora, minha companheira canina que nunca dispensa um latido avisando que quer pedaços saborosos de carne. A sobremesa pedia simplicidade. Uma banana parecia o desfecho ideal para tanta grandiosidade imaginária. Mas o apetite, ou talvez a gula poética, insistiu.
Abri a geladeira. Um caqui, alaranjado e convidativo, aguardava seu destino. Não resisti. Dirigi-me à sala, o palco perfeito para o que viria. Abri as grandes janelas e coloquei no Spotify, a melodia suave de "Me Pas Dans la Neige", da cantora Keren Ann, que começou a preencher o ambiente. Jazz francês, a trilha sonora perfeita para um deleite solitário.
A cada mordida no caqui, a polpa macia e doce explodia na boca, em perfeita sincronia com o ritmo da música. Era um banquete para os sentidos: o paladar se regozijava, a audição se deliciava com a voz aveludada de Keren Ann, e meus olhos observavam o mundo lá fora.
Carros passavam na rua, seus motores um ruído abafado que compunha a sinfonia urbana. Pardais, acrobatas natos, equilibravam-se nos fios elétricos, pequenas notas musicais no pentagrama da fiação. Mais adiante, no ponto mais alto de um prédio abandonado, perto da movimentada Avenida Washington Luiz, urubus desenhavam círculos no céu, como observadores silenciosos da vida que pulsava lá embaixo.
O vento, com sua coreografia invisível, balançava os galhos secos das árvores. Um ritmo próprio da natureza, que se misturava ao jazz francês e ao sabor adocicado do caqui. Naquele instante, entre a realidade e o devaneio, a Mulher Maravilha, a Amora, o caqui e a Keren Ann se fundiam em uma crônica particular, um pequeno oásis de paz e sabor no meio do dia. E eu, naquele momento, era apenas um degustador de caquis, um ouvinte de jazz e um observador da vida.