Após sofrer xenofobia na Mongólia, prudentina fala sobre recomeço

PRUDENTE - MARCO VINICIUS ROPELLI

Data 16/05/2020
Horário 09:15
Cedida - Milena apresentou programa de TV, que a popularizou na Mongólia
Cedida - Milena apresentou programa de TV, que a popularizou na Mongólia

A sexta-feira, 15 de maio, foi um bom dia para jornalista Milena Fernandes Mendes, 28 anos, prudentina que vive em Ulan Bator (Ulaanbaatar), capital da Mongólia, país cravado entre a China e a Rússia asiática. Há poucos dias ela decidiu que sairia de casa para buscar um emprego em escolas de idiomas (ela dá aulas de inglês) e na sexta, participou de duas entrevistas, que como outras, foram bem-sucedidas.

O país, que soma oficialmente 98 casos da Covid-19, diferente do Brasil, não adotou as medidas de isolamento social e fechamento de serviços não essenciais e, portanto, as aulas continuam a ocorrer. Milena, inclusive, está ministrando aulas particulares de inglês enquanto não é contratada. Houve somente fechamento das fronteiras e cancelamento de voos para China, em fevereiro.

É estranho pensar que há pouco mais de dois meses, a jornalista trabalhava dando aulas de inglês em uma universidade e conduzia voluntariamente um programa de rádio. Tudo mudou depois que ela opinou a respeito de algo que ocorrera no país. Colado no primeiro epicentro do vírus para o mundo, a China, o primeiro caso oficial da Mongólia foi confirmado somente em 10 de março, depois até que no Brasil, e o contaminado era um estrangeiro, francês.

Essa parte da história, O Imparcial noticiou há mais de um mês: Milena publicou em uma página no Facebook de estrangeiros que vivem na Mongólia que achava estranho que tivesse demorado tanto a sair primeira confirmação da Covid-19 e ainda mais do portador ser um francês (tendo em vista que o país é xenofóbico, tem certa aversão a estrangeiros).

Ela afirma que sequer imaginava ser tão conhecida por seu trabalho jornalístico no país (além da rádio, tinha apresentado um programa de TV focado em economia e política). Em menos de 2 horas da publicação, mongóis que faziam parte do grupo já haviam “printado” e compartilhado seu comentário nas redes sociais e, na tentativa de um “assassinato de reputação”, a acusaram de espalhar notícias falsas em relação ao governo.

Bem, os resultados disso foram traumáticos: foi forçada a demitir-se da universidade depois que vários pais de alunos (em sua maioria de classe alta), ameaçaram tirá-los de lá. Decidiu afastar-se da rádio depois de uma enxurrada de reclamações e passou por dias tensos, evitando até sair de casa por medo. “Recebi mensagens de pessoas que afirmavam que sabiam onde eu morava. Também muitos xingamentos e palavras chulas”, revela.

CASO DE

POLÍCIA

A opinião de Milena baseou-se em experiências próprias. Em novembro de 2019, seu marido, nativo da Mongólia, viajou à Erenhot, na China, cidade localizada exatamente na divisa de territórios e voltou de lá com sintomas fortes de gripe, porém, algo diferente de tudo que já tinha tido. Depois foi ela quem adquiriu a doença. Debilitada, Milena procurou um médico e nela foi feito um exame com um cotonete comprido que foi inserido em seu nariz, semelhante aos testes atuais para o vírus. Constataram pneumonia. “É possível que aquela doença já tenha sido provocada pelo novo coronavírus? ”, se questiona a jornalista.

Suas indagações eram e são muitas, e por vezes, tão bem fundadas que a convocação para prestar contas à polícia a abalou profundamente. As autoridades ligaram à sua casa e pediram que ela fosse à delegacia. Foi e se deparou com duas opções: ou enfrentar a Justiça ou admitir em um documento que tinha quebrado a lei e pagar uma multa. Para a jornalista, ser obrigada a admitir algo que não havia feito foi difícil, mas evitaria complicações. “Eu disse a eles que não havia divulgado informações falsas, que era uma opinião e que a liberdade de expressão era garantida na constituição do país”, afirma. Não adiantou.

A única palavra que trouxe a ela alguma tranquilidade foi da embaixada do Brasil em Pequim (a mais próxima à Mongólia), que a apoiou: “Facebook não é país, não podem fazer nada com você, porque não cometeu crime nenhum”, disse a representante da embaixada.

Ainda assim, Milena afastou-se por um tempo das redes sociais e do convívio social. Agora, pouco mais de um mês de tudo, ela tenta retomar a normalidade. Está até surpresa com a adesão às suas aulas particulares de inglês. “Talvez eu não seja tão odiada como pensava”, brinca. Por isso decidiu que, além de sair tranquilamente pela rua, procuraria um emprego. Bom saber que a sexta-feira, para ela, foi um dia bom.

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