As lágrimas de Heráclito

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 26/03/2023
Horário 04:30

Terminei meu último dia de trabalho assistindo um pequeno vídeo enviado pela minha filha que mora lá longe. Era uma sequência de fotos de uma história recente de superação da fase aguda de uma doença muito grave. Naqueles poucos minutos muitas situações passaram pela minha cabeça e do primeiro espanto e riso apareceu o pranto. Lembrei do padre Antônio Vieira em seu famoso Sermões: “Nasce o riso na boca, como eloquente, e o pranto nos olhos, como mudo”... Explico. Padre Vieira se propôs um problema no ano de 1674: se o mundo era mais digno de riso ou de lágrimas, desenvolvendo argumentos e contra-argumentos acerca do comportamento de Demócrito, que ria sempre; ou Heráclito, que sempre chorava. E daí segue um precioso texto das razões do pranto que vem sempre depois do riso. 
Lágrimas de Heráclito à parte, eu me considero um privilegiado por ter sido criado num ambiente feminino, cercado por mulheres muito fortes. Lembro até hoje de muitas histórias da minha avó materna. Sei da garra de minha mãe e de sua irmã no sustento da família. E a convivência com quatro irmãs, duas filhas, duas netas e o casamento com uma mulher empreendedora? Nem me fale...Muitas chances para brincar com qualquer tipo de brinquedo, assim como a descoberta de seus próprios sentimentos. Muitas oportunidades para aprender a se colocar no lugar do outro (empatia). 
Não pensem que foi um caminho tranquilo. Sei bem como foi difícil para o meu pai enfrentar seus próprios medos. Afinal, ele foi criado numa família baiana muito conservadora que acreditava sempre naquela máxima de que é preciso “segurar suas cabritas porque o meu bode está solto”, típica da cultura do estupro disseminada desde a infância pelo Brasil afora. Mas até aquele velho baiano andava enxugando suas lágrimas pelos cantos, lutando contra o comportamento estereotipado do macho orientado a ser agressivo, dominador e a falar mais alto e grosso, para se transformar num homem mais feliz. 
Se o empoderamento feminino está em curso, sem dúvidas, chegou a hora de tratar das muitas lacunas na educação e criação dos meninos na prevenção da violência sexual e de gênero (sempre é bom lembrar dos casos de abusos sexuais contra meninos que são pouco notificados e do número maior de suicídios entre eles). Quem sabe, pouco a pouco, a nossa troca de experiências e a ampliação do senso crítico, possam se tornar as chaves de uma mudança cultural e social mais profunda. 
Conclui o padre Antônio Vieira sobre as lágrimas de Heráclito: “Aqueles mesmos que mais se riem por fora mais choram por dentro.” Dizia ele, ainda, que “o agricultor, para colher os frutos, rega as plantas; o impressor, para imprimir as letras, molha o papel; e assim o deve fazer com as lágrimas quem quer imprimir os seus afetos e colher o fruto das suas persuasões”! 
 

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