Atento e forte

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 07/12/2025
Horário 05:00

A lua cheia derramava sua luz de prata sobre o oceano como quem acende um farol para os que ainda procuram caminhos. Dali era possível chamar por Iemanjá, que guarda a ponta da praia e testemunha, silenciosa, tudo o que passa. Ou saudar nossos ancestrais que sopram o vento e riscam o céu como se tivessem uma faca. Mas foram tantos encontros nestes dias que eu havia esquecido o mar que existia ali, diante do hotel, lembrando-me de que o mundo é maior que qualquer pauta de reunião.
Nós, geógrafos da saúde, estávamos reunidos pela 12ª vez, ininterruptamente desde 2003. E cada reencontro é como abrir um baú de lembranças que insiste em permanecer vivo. Lembrei-me do curso de 1998, no Congresso de Geografia de Vitória da Conquista (BA), quando conheci Maurício Monken. Lembrei-me também de Chico Mendonça e nosso amigo comum, Carlos Walter, quem ajudou a erguer a nossa primeira mesa-redonda em evento nacional em 2000 (Florianópolis, SC). Eu, mediador, observava o debate entre Chico, Paulo Sabroza e Helena Ribeiro, como quem assiste ao nascimento de algo que não cabia mais apenas na academia: era ciência, mas também era inquietação social. Era mapa, mas também um sonho de uma geografia mais fraterna. 
Desde então, seguimos atentos aos territórios onde a vida pulsa. E ali, naquela praia iluminada, enquanto Christovam falava sobre as possibilidades que surgem em tempos de crise global, percebi que nossas trajetórias eram feitas do mesmo material das tempestades: instabilidade, coragem e reinvenção. Christovam, com a sabedoria de quem já atravessou muitas encruzilhadas, puxou de dentro da memória coletiva um mantra tropicalista. Cantou, sem pedir licença ao vento: “É preciso estar atento e forte / Não temos tempo de temer a morte.” 
A canção atravessou a noite como um recado. Não era apenas um verso de Caetano e Gil, nem apenas a voz de Gal Costa daquele primeiro disco de 1969, mas método, ética e afeto. E, diante do mar que nunca dorme, compreendi de novo por que seguimos reunidos há mais de duas décadas. Porque a geografia da saúde nasce da terra, mas também da luta. Porque cada crise é também abertura. Porque, mesmo quando o mundo parece naufragar, insistimos em seguir — atentos e fortes, sempre. “Atenção! Tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso […] precisa ter olhos firmes. Pra este sol, para esta escuridão. Atenção para o refrão, uau!”. 
 

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