Cantores

O Espadachim, um cronista a favor do leite e do deleite

OPINIÃO - Sandro Villar

Data 15/07/2020
Horário 05:32

Por causa das profissões que exerço, conheci muitos cantores. Foram tantos que vou me esquecer de alguns. Mas inicio citando Nelson Gonçalves, talvez o maior cantor brasileiro, ao lado de Orlando Silva, Cauby Peixoto e Emílio Santiago.
Era gaúcho, a exemplo de Elis Regina.
Pois é: o Rio Grande do Sul nos deu o maior cantor e a maior cantora e, talvez, o jornalista mais criativo, o indomável Tarso de Castro, como dizia Samuel Wainer. Tarso faz uma falta danada, mas essa é outra história e vamos em frente que atrás vêm os credores.
Nelson (Antônio, nos documentos) era barítono, o cantor de voz grave. Uma vez, a caminho de Porto Alegre, foi parado pela Polícia Rodoviária. O cantor estava sem a carteira de motorista e o guarda começou a incomodá-lo. Nérsão, como era chamado pelo Moraes Sarmento, tentou se safar da encrenca. “Eu sou o Nelson Gonçalves”, explicou ao policial. 
“Então, você vai ter que provar”, rebateu o vigilante rodoviário. E providenciou um violão pro Nelson cantar uma música. Ele interpretou um trecho de “A volta do boêmio”. O guarda não se convenceu totalmente. Passou a mão no queixo, deu uma pigarreada e falou: “Acho que você não é o Nelson Gonçalves, mas imita bem. Tá liberado!”.
Numa conversa que tive com ele, Nelson disse que estava impressionado com a voz do saudoso locutor Humberto Marçal, da Rádio Bandeirantes. “Se ele cantasse, nós estaríamos fritos”, brincou.
Mas quem se impressionou com a voz do Nelson foi ninguém menos do que Frank Sinatra, que considerava o brasileiro o dono da voz mais bonita do mundo. Ele se hospedou por uns dias no apartamento de Sinatra, em Nova York. Sinatra, então casado com Ava Gardner, precisou viajar às pressas para Los Angeles e – vejam só! – pediu a Nelson para tomar conta dela durante a sua ausência. Nelson contou o episódio e garantiu que não rolou nada entre ele e a atriz, à época uma mulher deslumbrante.
Mudando de Pato Donald, o maior americano de todos os tempos, para Paulo Henrique Ganso, seria injusto não mencionar outro Nelson, o Ned. Por falar nisso, a vida tem seus altos e baixos, a começar pelo Oscar Schmidt e o Nelson Ned.
Ele foi o cantor brasileiro mais popular em Cuba, mas não fazia shows no país porque era muito bem remunerado pelos anticastristas de Miami, que lhe pagavam cachês milionários com a condição de não se apresentar em Cuba. Se Ned cantasse em Cuba, perderia a “boquinha” milionária em Miami.
E as cantoras? Conheci várias. Rosemary, por exemplo, era deslumbrante 40 anos atrás, embora não cantasse nada. Tive um arranca-rabo com ela ou, para deixar esse papo mais sofisticado, talvez seja de bom alvitre substituir a chula expressão arranca-rabo para, por exemplo, escaramuça verbal. Por não ter gostado da pichada que dei em um disco dela, Rosemary me chamou de “múmia”. Hoje, ela me tacharia de dinossauro. Não lhe guardo rancor e acho que fui injusto com a ela.
Para compensar a hostilidade de Rosemary, a cantora Silvia Massari, com sua cara de noviça rebelde austríaca, deu sinais de que arrastava a asa para cima de mim, dando-me (epa!) uma certa trela. Se eu peguei? Peguei! Peguei gripe. 
Roberto Carlos eu conheci nos bastidores do Teatro Record e, naquele dia, lá estava a Nice, a primeira mulher dele. Ela era um mulherão, mais bonita do que cartão-postal.
Roberto foi esperto em não deixar escapar uma mulher como Nice. Alguns amigos brincavam que, na arte da conquista e do pega pra capar, o cantor não era muito exigente na escolha e, de saia, só não se interessava por padre e escocês. Qualquer “canhão” servia. Uma delas era mais feia do que a Mama Fratelli, a macróbia malvada do filme “Os Goonies”.
Nenhuma rádio de São Paulo, exceto a Piratininga, queria saber do Roberto quando ele gravou o primeiro disco, “Louco por você”. O cantor só “estourou” em São Paulo porque a Rádio Piratininga “meteu a agulha no disco dele”. Sei disso porque trabalhei duas vezes na Velha Pira. Só depois é que as outras emissoras começaram a tocar o disco do Zunga, apelido do cantor.
E o Benito di Paula dizia que não era sambista. “Sambista é o Cartola e o Zé Keti. Eu sou sambeiro”, me contou humildemente. Ele foi modesto. Benito é um sambista de mão cheia, compôs canções lindas, como “Retalhos de cetim” e “Mulher brasileira”. Uma noite, em São Paulo, Benito e eu entramos numa boate e bebemos até a alvorada. Foi um porre homérico. Bebemos mais do que o personagem do ator Lee Marvin no filme “Dívida de sangue” (bom de copo, Lee brincava que a quantidade de bebida que ingeriu ao longo da vida daria para encher um caminhão-tanque). Benito e eu saímos da boate “cercando frango”, num passo de marcha-rancho. Se já vigorasse a lei seca iríamos direto pro xilindró, pois dirigíamos nossas próprias “carroças” (o Collor tem razão: carro “brasileiro” de 40 anos atrás era mesmo carroça).
Convivi com o pessoal do samba e com a turma da Jovem Guarda. Eduardo Araújo, por exemplo, se achava tão bom quanto Tom e Vinícius. Na minha presença, comparou uma música sua com outra da dupla. Até que era uma canção interessante. Uma vez ele foi ao meu programa na Rádio Piratininga levando Tony Tornado a tiracolo. Eu não gostava da canção “BR 3”. Tornado soube e não gostou.
Ficou com cara de muitos inimigos e não de poucos amigos. “Ele vai te dar uns tapas se você falar mal da música”, alertou-me Eduardo. Falei o que tinha de falar. A entrevista foi civilizada e, hoje, considero Tornado melhor ator do que cantor. Ele também deve pensar assim, pois teve o bom senso de poupar nossos ouvidos da BR 4, BR 5 e outras “beerres”.

DROPS

Quem com ferro fere impõe a lei do mais forte.

Não é por falta de leis que o Brasil deixará de progredir. Temos até as leishmaniose.

As formigas não têm formigamento.
 
Era tão macho que não cutucava onça com vara curta. Preferia palito de dente.


 

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